A nova velha Europa

Em Pós-Guerra, o historiador inglês Tony Judt traça amplo painel do continente que, em pouco mais de 50 anos, apagou a ruína deixada pela guerra e assumiu posto de liderança

Ubiratan Brasil
O inglês Tony Judt é um historiador meticuloso - durante anos, buscou traçar os destinos da Europa depois da 2ª Guerra Mundial. Afinal, se a 1ª Guerra destruiu a velha Europa, o conflito seguinte criou condições para um novo continente. 'Pós-nacional, praticando o Estado previdenciário e a cooperação, a Europa pacífica não nasceu do projeto otimista, ambicioso e progressista imaginado com bons olhos pelos idealistas que hoje defendem o euro. A Europa foi filha insegura da ansiedade. Oprimidos pela história, os líderes europeus implementaram reformas sociais e criaram instituições de caráter profilático, a fim de acuar o passado', afirma ele, autor do portentoso Pós-Guerra (tradução de José Roberto O'Shea, 880 págs., R$ 80), lançado agora pela Objetiva.

Para ele, a Europa, após a guerra que vitimou 36 milhões de pessoas e desalojou outras 30 milhões, é como um edifício imponente assentado sobre um passado indizível - formada por 500 milhões de pessoas que vivem livres e prósperas , a União Européia revela ainda uma certa incapacidade de aprender com os crimes passados (especialmente com o Holocausto), buscando disposição para encarar um futuro multicultural. Convidado da próxima Flip, Judt falou com exclusividade ao Estado.

Por que o período após a 1.ª Guerra Mundial foi diferente, na Europa, do depois da 2.ª Guerra?
Creio que o motivo principal estava na lembrança, ainda muito vívida, da tragédia deixada pelo primeiro conflito, especialmente entre as pessoas que eram crianças naquela década de 1910. Havia, portanto, uma consciência de que a situação não podia se repetir. Outro detalhe importante foi a inesperada escala de recuperação econômica, a explosão demográfica, a prosperidade, a despolitização que tomou conta da Europa depois de 1945, quando as pessoas, escaldadas pela 1ª Guerra, esperavam por uma depressão econômica e uma política radical que levasse ao extremismo como foram o nazismo e o fascismo. As pessoas sabiam o que devia ser evitado, mas desconheciam como fazê-lo.

Que fato mais inesperado aconteceu durante o pós-2ª Guerra?
Foram dois: primeiro, como disse antes, a recuperação econômica, tão rápida e tão pungente. Esperava-se que isso só acontecesse depois de muitos anos - na França, por exemplo, a previsão era de, no mínimo, 30 anos. Em segundo lugar, a estabilidade política, que não apenas permitiu aquele boom econômico como evitou situações desastrosas como a de 1937, quando o fracasso da política alimentou o crescimento do nazismo na Alemanha e o fascismo na Itália. A democracia havia falhado, o que não se repetiu depois de 1945.

Mas o que dizer da Guerra Fria? Não foi um fato maléfico?
Foi maléfica por utilizar armas atômicas como forma de pressão. Na época, ainda era misterioso o valor da potência desse armamento, o que o tornava estratégico, mesmo com a crença geral de que nenhum dos países detentores dessa arma iria utilizá-la. Mas, na minha opinião, a Guerra Fria não foi tão perigosa a ponto de afetar o ilusório senso de segurança dos europeus até o impasse entre os Estados Unidos de Kennedy e a União Soviética de Kruchev envolvendo Cuba. Hoje sabemos que a pressão sobre os dois líderes para que atuassem de forma enérgica era muito forte. Tanto Kennedy como Kruchev queriam evitar nova guerra, mas a questão vital era como evitar o confronto. Creio que ali o perigo passou a existir de fato. Outro fator essencial era o mal-entendido existente entre os dois grandes lados. A União Soviética de Stalin, por exemplo, estava convencida de que seria atacada pelos americanos. E a paranóia do comunismo realmente amedrontava os Estados Unidos - em Washington, havia uma certeza de que Stalin usaria da agressão para consolidar o comunismo pelo mundo. Ou seja, os dois lados temiam um ataque iminente, que não era verdadeiro, como também comprovam os documentos soviéticos da época, revelados há pouco tempo.

A Guerra Fria teria terminado finalmente com a aposentadoria de Fidel Castro em Cuba?
Bem (rindo), acho que podemos ver a questão de dois modos. De um lado, a Guerra Fria pode não ter definitivamente acabado, pois foi reativada por Putin e Bush, que alimentam conflitos internacionais motivados pelo temor do crescimento do poderio do outro. Por outro lado, podemos também afirmar que a Guerra Fria terminou de fato com Mikhail Gorbachev e o que veio em seguida foi uma nova configuração mundial de conflitos, o que também é perigoso. Não acredito que o declínio de Castro tenha grande significado. Hoje, Cuba é uma pequena ditadura sem o peso político internacional de antes, sendo usada pelos Estados Unidos apenas em questões domésticas

Quem mais se destacou no mundo, depois de 1945?
Bem, a lista seria grande. Entre os americanos, todos envolvidos na guerra e no período seguinte: Harry Truman, George Marshall e George Kennan tiveram enorme influência. Falando de europeus, Charles De Gaulle, sem dúvida alguma, teve uma importância enorme. Na Europa Oriental, não diria nenhum nome em particular, mas a geração do partido Solidariedade, na Polônia, que soube apontar para uma mudança de regime de forma pacífica; e, inquestionavelmente, Gorbachev. Aliás, se fosse necessário apontar apenas dois nomes, eu apontaria De Gaulle e Gorbachev como os mais importantes desse período.

Qual é o maior desafio para a Europa neste início de século?
Creio que são três desafios. Primeiro, a imigração, não apenas no seu sentido restrito, mas no que concerne às relações sociais: hoje temos grandes comunidades discriminadas por cor ou religião, que vivem nos grandes países como Inglaterra, Itália, França. Ou seja, como fazer essas pessoas se sentirem europeus sem perderem suas conexões originais? O segundo desafio diz respeito à Turquia, país cuja população em sua maioria é muçulmana: se o país for realmente aceito pela Europa, será um grande passo em direção à paz religiosa. Se rejeitarem os turcos, os europeus serão identificados como antiislâmicos, reforçando o radicalismo, o que seria catastrófico. E o terceiro desafio não diz respeito à coesão interna, mas como combinar autonomia nacional com instituições transnacionais. Hoje são países de língua e culturas distintas que se unem em uma comunidade transnacional. Assim, o desafio está em valorizar seu papel internacional, ou seja, olhar mais para fora que para dentro.

[O Estado de São Paulo, 03/05/2008]
1 Response
  1. Unknown Says:

    &u amei acheiii uma graçinha adorei mesmo