Plano dos EUA antecipou ação dos militares

Documento, escrito por ex-embaixador em 63, seria seguido por outro, que pede envio clandestino de armas por meio de submarino
"Um Plano de Contingência para o Brasil" foi enviado discretamente aos EUA; hoje, apesar de liberado, não possui cópia eletrônica
SÉRGIO DÁVILA, DE WASHINGTON

Na série de documentos sobre o envolvimento dos EUA no golpe militar de 1964 no Brasil, que o governo norte-americano vem liberando nos últimos tempos e transformando em arquivo eletrônico em respeito a uma lei de liberdade de informação, há um plano que mereceu apenas citação e só pode ser consultado fisicamente, depois de um processo trabalhoso.
Chama-se "A Contingency Plan for Brazil" (um plano de contingência para o Brasil). É de 11 de dezembro de 1963 e foi escrito por Lincoln Gordon, então embaixador dos EUA no país, e Benjamin H. Head (1905-1993), então secretário-executivo do Departamento de Estado. Nele, diplomatas elencam desfechos possíveis para a crise institucional e política do Brasil e sugerem possíveis ações do governo americano.
Uma delas chama a atenção por ser quase uma proposta de ação para os militares revoltosos. Está no item C da página seis, "Afastamento de Goulart por Forças Construtivas", que prevê a "persuasão" para que o então presidente do Brasil, João Goulart (1918-1976), deixe o governo, que o presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli (1910-75), o suceda, e que haja uma "tomada militar interina".
Nesse caso, dizia o documento, os EUA deveriam tomar "atitude construtiva e amistosa" em relação ao novo governo. Pois seria o que aconteceria após quatro meses, a partir de 31 de março. As páginas foram enviadas em 6 de janeiro ao conselheiro de Segurança Nacional McGeorge Bundy (1919-1996) e outros funcionários graduados do presidente Lindon Johnson (1908-1973).
Pé de páginaDiferentemente da papelada sobre o período que foi liberada entre 1996 e 2004, esse não foi transformado em arquivo eletrônico. Os originais descansam numa pasta de uma das milhares de caixas da seção de College Park dos Arquivos Nacionais, no Estado de Maryland, vizinho a Washington. São citados pelo título em apenas um documento preparado pelo Departamento de Estado, numa nota de pé de página.
Depois de procurar o documento em três remessas diferentes de mais de quatro dezenas de caixas, a pedido da Folha, um funcionário do arquivo disse "não entender" a confusão. Por fim, na quinta passada, as páginas datilografadas foram achadas e copiadas pelo jornal.
O plano é importante por influenciar o centro de decisões, na Casa Branca, e abrir caminho ao envio de telegrama posterior, de 28 de março, também de Gordon, em que o ex-embaixador pede "entrega clandestina de armas de origem não-americana" a "apoiadores de Castello Branco em São Paulo", por um "submarino não-marcado, à noite", e o deslocamento de "força-tarefa naval".
É a operação "Brother Sam", que será aceita e posta em marcha pelo governo dos EUA, com acréscimos: munição, gás lacrimogêneo, aviões-caças e navios com mísseis teleguiados.
No Brasil, há relato de apenas um historiador, Carlos Fico, da UFRJ, que também achou as sete páginas do "Plano de Contingência", as copiou recentemente e pretende utilizá-las num livro sobre o período. A Folha encontrou o autor do plano, Lincoln Gordon, 93, morando numa casa de repouso perto de Washington. Ele o justificou dizendo que o Brasil "poderia virar uma segunda Cuba".
Segundo os documentos tornados públicos, Lincoln vinha pintando o pior quadro possível a seus superiores em Washington fazia tempo. No telegrama de 28 de março, chega a sugerir que Lindon Johnson faça pronunciamento sobre "relatos de deterioração econômica e inquietação política" no Brasil, mas é rechaçado.
Depois de praticamente ridicularizar o ex-embaixador em reunião na Casa Branca no dia 28 de março (o pedido de submarino foi considerado "intrigante"), o grupo presidencial volta atrás dois dias depois, segundo telegrama do Departamento de Estado a Gordon do dia 30, em que reforça o envio de armas e sugere intervenção.
Não seria preciso. Em telegrama enviado às 9h de 31 de março, Gordon resume o início do golpe: "o balão subiu".

Plano anterior foi feito durante o governo JFK
Apesar de ser o mais recente a ser liberado, "Um Plano de Contingência para o Brasil" não é o único preparado pelo governo norte-americano para lidar com o Brasil no período imediatamente anterior ao golpe militar. Um deles é citado pelo ex-embaixador dos EUA no Brasil Lincoln Gordon nos parágrafos finais do texto, em que ele se refere ao "documento de 30 de setembro de 1963 do LAPC".
Trata-se da "Proposta de Política de Curto Prazo -Brasil", elaborada ainda sob o governo de John Fitzgerald Kennedy (197-1963), que seria assassinado menos de dois meses depois.LAPC é a sigla para Latin America Policy Committee (comitê de política latino-americana), criado pelo presidente democrata no ano de 1962, cujo objetivo era lidar com "assuntos de contra-insurgência" no continente.
Nele, são listados doze objetivos. Entre eles estão "promover a divisão e o conflito dentro da e entre a extrema esquerda e grupos ultranacionalistas" (item 9) e "fortalecer a a orientação basicamente democrática e pró-EUA dos militares" (item 11).
[Folha de São Paulo, 15/07/2007]
1 Response
  1. Anônimo Says:

    Oi

    Se você tem interesse por Cuba, talvez se interesse por um livro que escrevi. Nada de pesado, acadêmico ou político, só histórias leves de coisas que eu vi e pessoas que conheci nessa terra tão interessante.

    No blog que criei para o livro, tem algumas crônicas completas, trechinhos de todas e muitas fotos legais:

    http://radicalrebelderevolucionario.blogspot.com

    Abração,
    Alex