Primeiro país africano independente, Gana vive sem festas os cinqüenta anos da libertação. Adotadas a partir da década de 1980, políticas neoliberais devastaram a indústria nascente, arruinaram os camponeses e tornaram as cidades caóticas e violentasYao Graham
"Estar à altura da excelência africana”. Destinado a criar um consenso, o slogan foi escolhido para acompanhar as comemorações oficiais do 50º aniversário da independência de Gana, no dia 6 de março. Provocou uma controvérsia: quem e o que, na história do país, pode simbolizar a excelência africana? Desde então, um grande debate sacode a imprensa. Discussão fomentada desde a herança de Kwame Nkrumah, primeiro presidente desse pequeno Estado da África Ocidental e personagem do panafricanismo, até a política do atual presidente John Kufuor.
Cinqüenta anos após libertar-se da dominação colonial, o país continua diante dos mesmos problemas de 1957. Em suma, os de toda a África pós-colonial: como reestruturar uma economia subdesenvolvida, dependente de algumas matérias-primas (minerais e agrícolas) cujos preços são instáveis? Como transformar e aumentar os rendimentos de uma agricultura de produtividade baixa, baseada na pequena produção? Como industrializar um país com um mercado local atrofiado, no qual as relações com o mercado mundial foram estruturadas pelas economias ocidentais? Como gerar recursos para melhorar, de maneira duradoura, a situação das populações cujas esperanças cresceram no momento da independência? [1]
Do anti-imperialismo ao neo-liberalismo, em três mandatos
Na economia e na política, Gana viveu, desde a década de 1960, todas as experiências africanas. Sob a presidência de Kwame Nkrumah, a economia foi administrada com investimentos na infra-estrutura e no setor social. O governo conduziu uma política de industrialização destinada a reduzir as importações. Nkrumah tornou-se portador da mensagem antiimperialismo, o que incomodou os países ocidentais. Após sua derrubada, em 1966, por um golpe de Estado apoiado pela CIA, o país entrou em um período de instabilidade política, no qual permaneceu até 1982. Em seguida, viveu a imprevisibilidade dos preços das matérias-primas. Como o resto do continente, teve de enfrentar corrupção e má gestão. Sob a presidência de Jerry Rawlings, converteu-se à economia de mercado, com o apoio de instituições financeiras internacionais e dos países do Norte. Modelo de experiências pós-coloniais até os anos 1960, Gana tornou-se paradigma das políticas neoliberais.
Kufuor, sucessor de Rawlings, em 2000, completará seu próprio mandato em 2008. Dos oito presidentes ganenses, somente dois ficaram mais tempo que ele no poder: Rawlings (18 anos) e Nkrumah (nove anos). Nkrumah foi, segundo Amilcar Cabral [2], “um estrategista talentoso na luta contra o colonialismo clássico”. Rawlings é o arquiteto da Gana atual. Depois de tomar o poder por meio de um golpe de Estado em 1981, foi reeleito duas vezes chefe do Estado. Aparece como o Janus da vida política local, a ponte entre Nkrumah e Kufuor. Durante os primeiros anos de sua presidência, ressaltou a necessidade de reformas econômicas estruturais, de justiça social e, em matéria de política externa, do antiimperialismo. Atacou vigorosamente a corrupção e dirigiu o país de maneira autoritária.
Inicialmente, esse posicionamento geral incitou a desconfiança de Washington. Autocrata e demagogo, Rawlings soube canalizar as esperanças da população e obter sua confiança propondo o objetivo de promover socialmente de uma elite. Mas, embora lembrasse Nkrumah na aparência, quando deixou o poder, em 2000, havia transformado seu país em modelo do liberalismo econômico que conhecemos hoje. Sua política de abertura para os mercados externos era fundamentalmente baseada na busca de investimentos estrangeiros. Reativou o crescimento econômico e restabeleceu a estabilidade política. Porém, abandonou o objetivo de transformar as estruturas da economia de Gana (historicamente dependentes do exterior).
No fim do século, queda das matérias-primas desfaz as ilusões
As duas vitórias eleitorais de Rawlings, em 1992 e 1996 — na última, vencendo o futuro presidente Kufuor —, fizeram-no pensar que estava em harmonia com o país. Entretanto, setores do Congresso Democrático Nacional (NDC), o partido no poder, e uma parte significativa da população continuaram reticentes à economia de mercado. Além disso, importantes frações das elites de Gana recusaram-se a reconhecer o que deviam a Rawlings, principalmente reformas econômicas draconianas e a restauração da autoridade do Estado, condições necessárias à sua prosperidade.
Os que haviam financiado a restauração econômica adotaram uma atitude mais pragmática: o presidente norte-americano William Clinton e a rainha Elizabeth II foram a Acra exprimir sua gratidão a Rawlings por ter reconduzido Gana à órbita ocidental. O antiimperialismo herdado de Nkrumah havia dado lugar ao ambiente da Commonwealth. No entanto, as grandes potências continuavam a desconfiar de um homem de caráter imprevisível, cuja base social parecia frágil.
Produto de vários fatores, a vitória de John Kufuor, em 2000, resolveu essas contradições. Na época, o NDC estava atormentado por tensões internas suscitadas pela sucessão de Rawlings. Esse havia se fragilizado devido ao aumento da corrupção e aos reflexos autoritários que o distanciaram da população. Entretanto, foi a crise econômica de 1999, provocada pela queda dos preços das matérias-primas, que acabou com o governo. As cotações do ouro, do cacau e da madeira — principais recursos do país — caíram, entre 1998 e 2000 (a do cacau caiu 1/3). Na mesma época, o custo das importações de petróleo duplicou, em virtude da alta do barril nos mercados mundiais.
A crise, produzida após anos de frustrações sociais relacionadas ao crescimento das desigualdades, revelou as fragilidades estruturais da economia de Gana: dependência da ajuda externa e peso da dívida, que passou de um bilhão de dólares, em 1983, para seis bilhões, em 2000. Duas décadas de liberalismo econômico e de "livre" comércio fragilizaram a produção local (agricultura, manufatura) e agravaram a dependência externa do país, problema com o qual Gana continua se confrontando. O golpe de misericórdia no governo Rawlings foi dado quando um conflito com os doadores atrasou a chegada da ajuda, no final dos anos 1990. Alguns membros do NDC avaliam que as instituições internacionais procuraram favorecer a vitória de Kufuor, personagem muito mais controlável (Sob a tutela da Casa Branca).
Instabilidade social. Enfraquecimento da nação. Dependência
Em 2001, o novo presidente aceitou a iniciativa países pobres muito endividados (HIPC, na sigla inglesa). Essa decisão voltou a reconhecer que as reformas liberais, tão vangloriadas, haviam, na realidade, levado o país à falência e o tinham tornado mais vulnerável às condicionalidades das instituições doadoras. Ainda assim, Kufuor mostrou-se disposto a estender e aprofundar as políticas em questão. Em troca, as instituições financeiras aceitaram liberar o país de uma parte de sua dívida. A ajuda voltou e o governo pôde estimular a educação primária e a infra-estrutura. Entre 2001 e 2006, o crescimento passou de 3% para 6%. No entanto, o aumento das desigualdades e as fragilidades estruturais da economia constituem uma bomba de efeito retardado para um regime aparentemente estável.
Os 20% mais pobres recebem, hoje, 8,4% da renda nacional, enquanto os 20% mais ricos abocanham 41,7%. Em 2002, um estudo do Centro para o Desenvolvimento Democrático – um think tank ganense – revelou a dimensão do desemprego e do subemprego, além de denunciar o “abismo crescente entre os ricos e os pobres [3].” Dois terços das pessoas entrevistadas qualificam sua situação econômica como ruim. A maioria dos participantes aponta, entre as prioridades, a criação de empregos, a redução da pobreza e da exclusão.
Nos últimos anos, multiplicaram-se as greves relacionadas aos salários e às condições de vida. Mas elas terminaram sem que os trabalhadores tivessem êxito. As medidas pontuais adotadas para lutar contra o êxodo de intelectuais e pesquisadores (prêmios de repatriamento, campanhas de recrutamento dos residentes no exterior etc.), produziram incoerências e desigualdades extremas na grade dos salários do setor público.
Foi prometendo “a idade do ouro dos negócios” que o presidente Kufuor elegeu-se em 2000. Sete anos depois, os empresários locais, principalmente os da pequena manufatura, reclamam que o governo só pensa em satisfazer o capital estrangeiro. A prioridade dada ao "livre" comércio traria um prejuízo ao desenvolvimento da capacidade produtiva da antiga Costa do Ouro. Na capital, Acra, as fábricas abandonadas foram convertidas em entrepostos para as importações ou em igrejas para acolher o número crescente de fiéis dos movimentos evangélicos.
Êxodo rural e desemprego tornam cidades inchadas e violentas
Baseada no estímulo às exportações de cacau, gás, petróleo e, também, de minerais (ora prata, ora manganês), a economia não criou um número de empregos suficiente. Os poucos que há são mal-pagos. Isso provocou migrações internas e externas, das quais a mais conhecida é a de profissionais do setor de saúde [4]. O êxodo mais importante diz respeito a milhares de jovens, pouco formados mas instruídos, cujas rendas permitem – quando bem-sucedidos no exterior – que um grande número de famílias se mantenha acima do limiar de pobreza.
Entre os muitos funcionários demitidos na época das reformas liberais adotadas nos anos 1980-1990, poucos encontraram trabalho. As fileiras desses desempregados durante muito tempo foram ampliadas pelo êxodo rural provocado pela pauperização dos campos. Na verdade, a agricultura local, de produtos alimentícios principalmente, foi arruinada pela política de abertura aos mercados mundiais, pela falta de terras disponíveis e de perspectivas econômicas. Nesse mundo rural, onde vive a maioria dos ganenses, a insegurança econômica tem um aspecto particular, o dos sem-terra. A maioria das pessoas não é proprietária e depende de um terceiro: assalariados agrícolas, meeiros, jovens, mulheres perdem facilmente seus direitos. Como o governo não soube responder a essa insegurança jurídica, a instabilidade fundiária desestabiliza o país. É o mesmo que ocorre em outras regiões da África Ocidental, onde as terras estão na origem das explosões de violência [5].
Em 2000, 80% da população ativa exerce alguma atividade no setor informal: por exemplo, camelôs não regulares. Na maior parte das grandes cidades, esse fenômeno derrota as autoridades, que respondem com medidas de segurança. Na verdade, as dificuldades da vida cotidiana e a corrupção cada vez maior corroeram a confiança que a população tinha no partido do poder — o Novo Partido Patriótico (NPP). País-símbolo, Gana não conseguiu traçar a via de um desenvolvimento autônomo, nem colocar em ação as transformações socioeconômicas necessárias.
Tradução: Wanda Caldeira Brant
[Le Monde Diplomatique, junho 2007]
"Estar à altura da excelência africana”. Destinado a criar um consenso, o slogan foi escolhido para acompanhar as comemorações oficiais do 50º aniversário da independência de Gana, no dia 6 de março. Provocou uma controvérsia: quem e o que, na história do país, pode simbolizar a excelência africana? Desde então, um grande debate sacode a imprensa. Discussão fomentada desde a herança de Kwame Nkrumah, primeiro presidente desse pequeno Estado da África Ocidental e personagem do panafricanismo, até a política do atual presidente John Kufuor.
Cinqüenta anos após libertar-se da dominação colonial, o país continua diante dos mesmos problemas de 1957. Em suma, os de toda a África pós-colonial: como reestruturar uma economia subdesenvolvida, dependente de algumas matérias-primas (minerais e agrícolas) cujos preços são instáveis? Como transformar e aumentar os rendimentos de uma agricultura de produtividade baixa, baseada na pequena produção? Como industrializar um país com um mercado local atrofiado, no qual as relações com o mercado mundial foram estruturadas pelas economias ocidentais? Como gerar recursos para melhorar, de maneira duradoura, a situação das populações cujas esperanças cresceram no momento da independência? [1]
Do anti-imperialismo ao neo-liberalismo, em três mandatos
Na economia e na política, Gana viveu, desde a década de 1960, todas as experiências africanas. Sob a presidência de Kwame Nkrumah, a economia foi administrada com investimentos na infra-estrutura e no setor social. O governo conduziu uma política de industrialização destinada a reduzir as importações. Nkrumah tornou-se portador da mensagem antiimperialismo, o que incomodou os países ocidentais. Após sua derrubada, em 1966, por um golpe de Estado apoiado pela CIA, o país entrou em um período de instabilidade política, no qual permaneceu até 1982. Em seguida, viveu a imprevisibilidade dos preços das matérias-primas. Como o resto do continente, teve de enfrentar corrupção e má gestão. Sob a presidência de Jerry Rawlings, converteu-se à economia de mercado, com o apoio de instituições financeiras internacionais e dos países do Norte. Modelo de experiências pós-coloniais até os anos 1960, Gana tornou-se paradigma das políticas neoliberais.
Kufuor, sucessor de Rawlings, em 2000, completará seu próprio mandato em 2008. Dos oito presidentes ganenses, somente dois ficaram mais tempo que ele no poder: Rawlings (18 anos) e Nkrumah (nove anos). Nkrumah foi, segundo Amilcar Cabral [2], “um estrategista talentoso na luta contra o colonialismo clássico”. Rawlings é o arquiteto da Gana atual. Depois de tomar o poder por meio de um golpe de Estado em 1981, foi reeleito duas vezes chefe do Estado. Aparece como o Janus da vida política local, a ponte entre Nkrumah e Kufuor. Durante os primeiros anos de sua presidência, ressaltou a necessidade de reformas econômicas estruturais, de justiça social e, em matéria de política externa, do antiimperialismo. Atacou vigorosamente a corrupção e dirigiu o país de maneira autoritária.
Inicialmente, esse posicionamento geral incitou a desconfiança de Washington. Autocrata e demagogo, Rawlings soube canalizar as esperanças da população e obter sua confiança propondo o objetivo de promover socialmente de uma elite. Mas, embora lembrasse Nkrumah na aparência, quando deixou o poder, em 2000, havia transformado seu país em modelo do liberalismo econômico que conhecemos hoje. Sua política de abertura para os mercados externos era fundamentalmente baseada na busca de investimentos estrangeiros. Reativou o crescimento econômico e restabeleceu a estabilidade política. Porém, abandonou o objetivo de transformar as estruturas da economia de Gana (historicamente dependentes do exterior).
No fim do século, queda das matérias-primas desfaz as ilusões
As duas vitórias eleitorais de Rawlings, em 1992 e 1996 — na última, vencendo o futuro presidente Kufuor —, fizeram-no pensar que estava em harmonia com o país. Entretanto, setores do Congresso Democrático Nacional (NDC), o partido no poder, e uma parte significativa da população continuaram reticentes à economia de mercado. Além disso, importantes frações das elites de Gana recusaram-se a reconhecer o que deviam a Rawlings, principalmente reformas econômicas draconianas e a restauração da autoridade do Estado, condições necessárias à sua prosperidade.
Os que haviam financiado a restauração econômica adotaram uma atitude mais pragmática: o presidente norte-americano William Clinton e a rainha Elizabeth II foram a Acra exprimir sua gratidão a Rawlings por ter reconduzido Gana à órbita ocidental. O antiimperialismo herdado de Nkrumah havia dado lugar ao ambiente da Commonwealth. No entanto, as grandes potências continuavam a desconfiar de um homem de caráter imprevisível, cuja base social parecia frágil.
Produto de vários fatores, a vitória de John Kufuor, em 2000, resolveu essas contradições. Na época, o NDC estava atormentado por tensões internas suscitadas pela sucessão de Rawlings. Esse havia se fragilizado devido ao aumento da corrupção e aos reflexos autoritários que o distanciaram da população. Entretanto, foi a crise econômica de 1999, provocada pela queda dos preços das matérias-primas, que acabou com o governo. As cotações do ouro, do cacau e da madeira — principais recursos do país — caíram, entre 1998 e 2000 (a do cacau caiu 1/3). Na mesma época, o custo das importações de petróleo duplicou, em virtude da alta do barril nos mercados mundiais.
A crise, produzida após anos de frustrações sociais relacionadas ao crescimento das desigualdades, revelou as fragilidades estruturais da economia de Gana: dependência da ajuda externa e peso da dívida, que passou de um bilhão de dólares, em 1983, para seis bilhões, em 2000. Duas décadas de liberalismo econômico e de "livre" comércio fragilizaram a produção local (agricultura, manufatura) e agravaram a dependência externa do país, problema com o qual Gana continua se confrontando. O golpe de misericórdia no governo Rawlings foi dado quando um conflito com os doadores atrasou a chegada da ajuda, no final dos anos 1990. Alguns membros do NDC avaliam que as instituições internacionais procuraram favorecer a vitória de Kufuor, personagem muito mais controlável (Sob a tutela da Casa Branca).
Instabilidade social. Enfraquecimento da nação. Dependência
Em 2001, o novo presidente aceitou a iniciativa países pobres muito endividados (HIPC, na sigla inglesa). Essa decisão voltou a reconhecer que as reformas liberais, tão vangloriadas, haviam, na realidade, levado o país à falência e o tinham tornado mais vulnerável às condicionalidades das instituições doadoras. Ainda assim, Kufuor mostrou-se disposto a estender e aprofundar as políticas em questão. Em troca, as instituições financeiras aceitaram liberar o país de uma parte de sua dívida. A ajuda voltou e o governo pôde estimular a educação primária e a infra-estrutura. Entre 2001 e 2006, o crescimento passou de 3% para 6%. No entanto, o aumento das desigualdades e as fragilidades estruturais da economia constituem uma bomba de efeito retardado para um regime aparentemente estável.
Os 20% mais pobres recebem, hoje, 8,4% da renda nacional, enquanto os 20% mais ricos abocanham 41,7%. Em 2002, um estudo do Centro para o Desenvolvimento Democrático – um think tank ganense – revelou a dimensão do desemprego e do subemprego, além de denunciar o “abismo crescente entre os ricos e os pobres [3].” Dois terços das pessoas entrevistadas qualificam sua situação econômica como ruim. A maioria dos participantes aponta, entre as prioridades, a criação de empregos, a redução da pobreza e da exclusão.
Nos últimos anos, multiplicaram-se as greves relacionadas aos salários e às condições de vida. Mas elas terminaram sem que os trabalhadores tivessem êxito. As medidas pontuais adotadas para lutar contra o êxodo de intelectuais e pesquisadores (prêmios de repatriamento, campanhas de recrutamento dos residentes no exterior etc.), produziram incoerências e desigualdades extremas na grade dos salários do setor público.
Foi prometendo “a idade do ouro dos negócios” que o presidente Kufuor elegeu-se em 2000. Sete anos depois, os empresários locais, principalmente os da pequena manufatura, reclamam que o governo só pensa em satisfazer o capital estrangeiro. A prioridade dada ao "livre" comércio traria um prejuízo ao desenvolvimento da capacidade produtiva da antiga Costa do Ouro. Na capital, Acra, as fábricas abandonadas foram convertidas em entrepostos para as importações ou em igrejas para acolher o número crescente de fiéis dos movimentos evangélicos.
Êxodo rural e desemprego tornam cidades inchadas e violentas
Baseada no estímulo às exportações de cacau, gás, petróleo e, também, de minerais (ora prata, ora manganês), a economia não criou um número de empregos suficiente. Os poucos que há são mal-pagos. Isso provocou migrações internas e externas, das quais a mais conhecida é a de profissionais do setor de saúde [4]. O êxodo mais importante diz respeito a milhares de jovens, pouco formados mas instruídos, cujas rendas permitem – quando bem-sucedidos no exterior – que um grande número de famílias se mantenha acima do limiar de pobreza.
Entre os muitos funcionários demitidos na época das reformas liberais adotadas nos anos 1980-1990, poucos encontraram trabalho. As fileiras desses desempregados durante muito tempo foram ampliadas pelo êxodo rural provocado pela pauperização dos campos. Na verdade, a agricultura local, de produtos alimentícios principalmente, foi arruinada pela política de abertura aos mercados mundiais, pela falta de terras disponíveis e de perspectivas econômicas. Nesse mundo rural, onde vive a maioria dos ganenses, a insegurança econômica tem um aspecto particular, o dos sem-terra. A maioria das pessoas não é proprietária e depende de um terceiro: assalariados agrícolas, meeiros, jovens, mulheres perdem facilmente seus direitos. Como o governo não soube responder a essa insegurança jurídica, a instabilidade fundiária desestabiliza o país. É o mesmo que ocorre em outras regiões da África Ocidental, onde as terras estão na origem das explosões de violência [5].
Em 2000, 80% da população ativa exerce alguma atividade no setor informal: por exemplo, camelôs não regulares. Na maior parte das grandes cidades, esse fenômeno derrota as autoridades, que respondem com medidas de segurança. Na verdade, as dificuldades da vida cotidiana e a corrupção cada vez maior corroeram a confiança que a população tinha no partido do poder — o Novo Partido Patriótico (NPP). País-símbolo, Gana não conseguiu traçar a via de um desenvolvimento autônomo, nem colocar em ação as transformações socioeconômicas necessárias.
Tradução: Wanda Caldeira Brant
[Le Monde Diplomatique, junho 2007]
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