A imagem de Tim Hetherington de um soldado americano cansado no Afeganistão venceu o Prêmio World Press de foto do ano de 2007. Em um conversa com o Spiegel Online, o fotógrafo revela as circunstâncias dramáticas por trás da fotografia - e o trauma de uma guerra esquecida.
Repórteres de guerra vivem perigosamente. Essa obviedade finalmente atingiu Tim Hetherington em outubro do ano passado, no vale de Korangal, apelidado de "vale da morte" pelas tropas americanas no Afeganistão.
Era a terceira temporada de Hetherington com as forças americanas no local. O fotógrafo britânico estava novamente viajando com o 2º Pelotão da Companhia de Batalha, parte do 2º Batalhão, 503º Regimento de Infantaria. Um dia, em meio ao caos e mutilações de uma operação de combate com insurgentes, Hetherington caiu e quebrou a fíbula. Teve que ser retirado de helicóptero.
"Poderia ter sido pior, eu poderia ter morrido", disse Hetherington, 38.
Mesmo assim, foi uma fratura complicada que o deixou de muletas por meses. Lentamente, ele aprendeu a andar novamente. Até hoje, o londrino ainda recebe tratamento médico em Nova York, no Centro Médico da Universidade de Columbia.
Em abril, ele pretende voltar ao Afeganistão, e reunir-se com o 2º Pelotão.
Ele quer voltar para acabar de contar a história dos soldados daquele pelotão -porque a história ainda não acabou. "Sou dedicado a esse projeto", diz Hetherington. "Vou continuar até que algum resultado seja alcançado."
É uma história que, ao menos em parte, recentemente voltou à consciência mundial. A fotografia de Hetherington de um soldado jovem, cansado, desesperado do 2º Pelotão, tirada em uma excursão anterior ao Afeganistão, foi recentemente nomeada Foto do Ano de 2007 pela World Press. "Essa imagem representa a exaustão de um homem -e a exaustão de uma nação", disse o presidente do júri Gary Knight.
O mais perto possível
Mais interessante do que elogios do júri são as circunstâncias dramáticas do retrato, que eram desconhecidas até agora. Em conversa com o Spiegel Online, Hetherington revelou a história do retrato de 16 de setembro de 2007 -e o trauma de uma guerra em grande parte esquecida, ao menos nos EUA.
O que Hetherington não revela, entretanto, é o nome do soldado na foto, pois ele ainda está na linha de frente no Afeganistão, um combatente anônimo de uma causa que atrai pouca atenção em casa. Quem sabe como o jovem se sente por ser inconscientemente um novo símbolo anti-guerra? "Se quiser que divulguemos seu nome, o tornarei público", diz Hetherington. "Mas não ouvi notícia dele ainda."
O retrato fazia parte de uma encomenda para a "Vanity Fair", revista mensal conhecida por sua opulência. Hetherington tinha estado no Afeganistão antes, em 2001. Ele voltou para acompanhar o 2º Pelotão junto com o jornalista famoso Sebastian Junger, autor de "The Perfect Storm", que algumas vezes é descrito como o novo Hemingway.
Tudo começou como uma tarefa simples, diz Hetherington, "para ajudar a pagar as contas e coisas assim". Logo, passou a ser muito mais.
Hetherington e Junger alojaram-se com o 2º Pelotão e assim praticamente tornaram-se membros da unidade -apesar de serem civis sem treinamento militar. Sem problemas, diz Hetherington, apesar de não se considerar fotógrafo de guerra: "Eu sei como é. É meu papel."
Alguns repórteres evitam a proximidade com os soldados, por temerem a perda da distância e da objetividade. Hetherington, entretanto, gosta: "Procuro estar no meio deles". Ele quer estar o mais perto possível dos soldados, para criar "retratos íntimos", que parece ser a única forma atualmente "de engajar o público americano".
Foi o mesmo método usado com sucesso em séries de fotos anteriores, quando ele retratou o rastro da tsunami de 2004 na Ásia, a guerra civil na Libéria e Nova York após 11 de setembro.
"O ambiente escureceu"
O 2º Pelotão, que na época tinha 20 homens, é considerado a ponta de lança das forças americanas no vale Korangal, a parte mais perigosa do Nordeste do Afeganistão. Sua missão é manter e expandir o controle americano e cortar as frentes de combatentes do Taleban, insurgentes e células da Al Qaeda, impedindo-os de alcançar a capital Cabul. Alguns acreditam que Osama Bin Laden está escondido nessa região.
Sob freqüente fogo inimigo, os homens construíram um abrigo, com vista para parte do vale. Um alojamento tosco feito de terra e pedra "talvez com 20 metros por 40", diz Hetherington. Eles chamaram-no de "Restrepo", nome do médico Juan Restrepo, de 20 anos, que tinha sido morto em uma emboscada em julho.
O dia 16 de setembro de 2007 era um domingo. "Um dia de luta bastante intensa", lembra-se Hetherington. Eles tinham acabado de ser informados por operações militares de escuta que o inimigo tinha trazido 20 granadas para o vale, junto com foguetes de 107 mm e três coletes suicidas. As forças americanas estavam sob fogo constante; um dos soldados quebrou a perna e teve que receber morfina.
"Sentíamos como se fossemos alvos", diz Hetherington. "O ambiente no acampamento escureceu."
Hetherington entrou em "piloto automático", diz ele. Sempre faz isso quando se encontra em situação difícil, ameaçado ou temendo por sua vida. "Concentro-me totalmente no meu trabalho. Como uma máquina. Os soldados fazem o mesmo. Isso tira sua mente das coisas." Do medo, da dor, da impotência -ao menos por um tempo.
Eles mal dormiram naquela noite. Todos se reuniram no abrigo, contra a parede de terra "longe da outra parede por onde eles poderiam vir", diz Hetherington, referindo-se ao inimigo.
Foi nessa hora mais escura que Hetherington tirou a foto que tocou o mundo. Um jovem soldado, encostado contra a parede de terra, sem capacete, de braços sujos. Ele tira o suor da testa, olhando diretamente para a câmera, olhos turvos, boca aberta -em parte chocado, em parte cansado, em parte desesperado. Ele tem uma grande aliança na mão esquerda.
A imagem é sombria, embaçada, sem contraste. Alguns criticaram isso, argumentando que uma foto assim "não deveria vencer", diz Hetherington. Mas ela captura o momento perfeitamente e funciona em dois níveis: dá a quem vê uma sensação do que aconteceu naquele momento e, ao mesmo tempo, tem um significado simbólico eterno.
"Preciso voltar"
Hetherington tirou muitas outras fotos no Afeganistão. Algumas foram publicadas na edição de janeiro de "Vanity Fair", outras podem ser vistas em seu site pessoal.
Entre elas, há retratos quase idílicos dos soldados como crianças. O tenente Matt Piosa, 24, líder do Pelotão, parece um menino de escola ousado. O sargento Kevin Rice, 27, olha diretamente para a câmera, cheio de dúvidas. Pouco depois, Rice foi criticamente ferido -um momento estarrecedor que Hetherington capturou em vídeo para a ABC News. No vídeo, outro soldado é visto caindo no choro.
Só dá para ficar em piloto automático por um tempo limitado. "Eventualmente, as coisas te atingem", diz Hetherington. "E aí saem de formas randômicas". Algumas vezes até hoje.
Ele nunca perseguiu o prêmio, de fato. O que queria fazer com as fotos era contar a história dos homens do 2º Pelotão. "É uma história terrível", diz Hetherington. "Mas é forte. Eles colocam suas vidas em risco", o que dá ao prêmio maior significado, além dos 10.000 euros que vem com ele: "É uma grande honra vencer o prêmio."
O júri selecionou a foto de Hetherington entre 80.536 inscritas. A cerimônia de premiação está marcada para 27 de abril de 2008 em Amsterdã. Depois, uma exibição dos 59 premiados vai viajar para 100 locais em torno do mundo.
Nessa altura, Hetherington espera estar de volta ao Afeganistão, ao 2º Pelotão. Assim que estiver "de pé e correndo", quer voltar, junto com Junger, que já foi para outra temporada no mês passado.
Ele sente como se não tivesse escolha: "Tenho que voltar."
Tradução: Deborah Weinberg
Der Spiegel, 16/02/2008
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