Férias...

Esta é a última atualização do blog em 2009. Estaremos de volta em janeiro, ainda de forma irregular. As atualizações semanais só voltam em fevereiro. A todos, um feliz 2010.



"Há só uma janela lá fora;
e todo mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela."
Fernando Pessoa

Natal, 1937


Prontíssimos
Papai Noel: – Papagaio! Parece que aumentaram os números de sapatos!
Não queira saber, meu irmão. Está tudo de tanga.

No Natal de 1937, época em que as crianças costumavam pôr um sapato na janela, Papai Noel se assusta com a quantidade de pares: estava tudo "de tanga", ou seja, não havia dinheiro para nada, eram tempos de "pindaíba".

[Revista Careta, 25/12/1937]

"Grande Muralha virtual" ameaça isolar China



Bloqueio crescente da rede gera comparações com a Revolução Cultural, período mais repressivo da ditadura maoísta
Em 2009, foram fechados 450 sites; governo diz que está em campanha para limpar a internet local de "pornografia e vulgaridade"

Raul Juste Lores, de Pequim

O governo chinês fechou na semana passada o site Yeeyan, comunidade de 5.000 voluntários que faziam traduções do inglês para o mandarim - de legendas de filmes a letras de música. Eles viraram problema quando começaram a traduzir reportagens do jornal britânico "The Guardian".
Nos últimos meses, uma "Grande Muralha virtual" está conseguindo isolar a internet chinesa do resto do mundo e anulando o conceito de rede. Depois de bloquear Facebook, Youtube, Twitter e boa parte da Wikipedia, o governo elevou o controle da rede doméstica.
Na última terça, cidadãos chineses foram proibidos de registrar domínios na rede - agora só com autorização do governo. Só em 2009, 450 sites foram fechados.
"A internet chinesa já é uma das mais insulares do planeta por causa do idioma e pelo pouco interesse que a garotada tem no que acontece no resto do mundo, mas agora o isolamento atinge até a minoria mais curiosa", afirmou à Folha Hong Bo, 46, que trabalha há 12 anos com internet e há seis mantém um dos blogs mais lidos sobre o assunto.
O ex-presidente do Yahoo na China Xie Wen publicou em seu blog na segunda-feira que a internet no país "vive seu momento de Revolução Cultural [em referência ao período mais repressivo da ditadura maoísta], com expurgos, proibições e uma tentativa de purificação inédita em 30 anos de abertura da China".
O governo lançou em janeiro passado uma campanha destinada a limpar a internet local da "pornografia e da vulgaridade", mas quem mais sofreu foram sites políticos, blogs e populares comunidades virtuais internacionais.
Como o governo diz querer construir uma sociedade harmoniosa, os internautas chineses adotaram o termo como sinal de censura. "Meu blog foi harmonizado" virou código para novas vítimas do expurgo.
Sites de informação, como Huffington Post, e que hospedam blogs internacionais, como Blogger, também são bloqueados no país.

Reserva de mercado
Com o bloqueio às grandes comunidades virtuais internacionais, proliferam as cópias piratas de sites estrangeiros "made in China". O maior portal do país, Sina.com, está lançando a sua cópia do Twitter.
O Youku, cópia do Youtube, tem mais de 60% do mercado de compartilhamento de vídeos, colocando na íntegra produções americanas sem pagar direitos autorais.
"Como o governo quer controlar a distribuição de informação, é evidente que as empresas locais cooperam mais com o governo e sabem seus limites", diz Hong.
Por confiar mais na autocensura dos locais, um site chamado Baidu se tornou gigante mecanismo de buscas do país, copiando o Google.
Durante dois anos, o Google sofreu com a interferência da censura chinesa, que o transformou em um site sete vezes mais lento que os locais, por meio de filtros e controles.
Um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores disse em junho que o Google "espalha conteúdo vulgar e obsceno, violando seriamente as leis chinesas". O site foi tirado do ar por um dia como "alerta".
As pesquisas no Google continuam operando muito mais lentamente do que em sua cópia. O Baidu hoje domina 70% do mercado.
A mestranda Suo Huijun, do Centro de Novas Mídias da Universidade Tsinghua, publicou recentemente um estudo sobre a Wikipedia na China. Ela entrevistou um dos burocratas que cuidam do controle da internet.
Anonimamente, ele diz que a Wikipedia é valiosa, mas "permite que um pequeno grupo de elementos anti-China possam colocar em risco a nossa segurança social e a unidade étnica do país". Textos sobre a China sofrem bloqueio rotineiro.

YouTube e Facebook são censurados
Vídeos mostrando a violência policial chinesa contra monges tibetanos começaram a aparecer no YouTube em março de 2008. Na mesma época, a cantora islandesa Björk pedia a independência do Tibete em um vídeo de um show em Xangai.
O Youtube foi então bloqueado na China e desbloqueado por períodos curtos. Sua cópia chinesa, o Youku, pôde prosperar sem concorrência.
Logo após a onda de protestos que chacoalhou o Irã após a controversa reeleição do presidente Mahmoud Ahmadinejad - muitos deles convocados pelo Twitter-, a China decidiu também bloquear o site dos microblogs. Só agora versões chinesas começam a ser liberadas, onde a autocensura é garantida. Semanas depois, o Facebook foi bloqueado.
Analistas acreditavam que o bloqueio seria temporário, na proximidade de datas sensíveis, como os 60 anos da chegada dos comunistas ao poder. Mas as restrições continuaram.
Estima-se que 30 mil censores trabalhem para o governo checando blogs e grandes portais. Os próprios sites fazem sua limpeza, apagando críticas ao partido ou ao governo.
"A internet se tornou uma importante avenida pela qual as forças anti-China se infiltram, sabotam e maximizam sua capacidade de destruição", escreveu o ministro de Segurança Pública, Meng Jianzhu, na revista Qiushi, do Comitê Central do Partido Comunista.
Em junho, o governo chinês tentou exigir de todos os fabricantes de computadores pessoais a instalação de um programa com filtros de internet.
A polêmica foi tão grande - o programa chinês foi acusado até de piratear um software americano - que o governo chinês desistiu da obrigatoriedade. Mas, desde então, milhares de escolas, repartições públicas e fabricantes chineses têm instalado filtros em suas máquinas.
O governo diz que sua campanha pela moralização da internet visa acabar com a pornografia e com a pirataria, mas para críticos o discurso mascara a sanha por controle. (RJL)

Só minoria usa programas para driblar bloqueios
A censura de Pequim é um sucesso quando se analisa a penetração do Twitter e do Facebook na China - país de maior população de internautas, com 370 milhões de usuários.
O bloqueado Twitter, por exemplo, tem 409 mil perfis na China, quase um milésimo dos internautas chineses. E só uma parcela pequena é ativa. No Irã, onde o Twitter também é proibido, há 1,4 milhão de usuários, apesar de a população ser 20 vezes menor que a chinesa.
Depois de ser proibido em julho, o Facebook também encolheu. De 280 mil perfis ativos, despencou para 14 mil usuários regulares. No Irã, onde o Facebook é igualmente bloqueado, há 800 mil contas ativas.
Para especialistas em internet chinesa, apenas uma pequena minoria usa softwares para driblar a censura. Aplicativos como Tor, UltraSurf e FreeGate criam uma rede de nós anônimos por onde o tráfego da rede passa criptografado.
Como os censores estão sempre decodificando esses atalhos, há uma necessidade periódica de atualizá-los.
O Tor pode ser recebido por e-mail e baixado no computador. Como vingança contra seu banimento da China, o grupo religioso Falun Gong produz vários desses aplicativos.
"Ao contrário dos EUA, onde 65% dos internautas têm mais de 35 anos, na China 74% têm menos de 34", diz o especialista Hong Bo. "As maiores atividades na internet chinesa são o download de músicas, os jogos virtuais e a comunicação instantânea com pequenos grupos de amigos e parentes. Comunidades virtuais no estilo do Facebook são um fracasso." Até 34% dos internautas chineses têm menos de 19 anos.
Outra prova de como a censura funciona aconteceu durante o debate em que o presidente americano Barack Obama quis ter com universitários em Xangai. O governo chinês decidiu não televisionar o evento, mas a Casa Branca transmitiu o debate ao vivo em seu site. Só 7.000 pessoas acessaram a partir da China.
Por temor aos atalhos anticensura, às vezes o governo chinês adota atitudes extremas e tira toda a rede do ar. Na Província de Xinjiang, a internet está inacessível desde julho, quando conflitos étnicos explodiram entre a minoria uigur e a maioria chinesa han. (RJL)

[Folha de São Paulo, 20/12/2009]

FGV põe na web mais retratos da era Vargas


Aos 65 anos, fundação amplia acesso e colaboração do público ao principal acervo sobre história brasileira do século 20
Mais de 10 mil fotos dos álbuns de Alzira, filha e colaboradora do presidente, poderão ser consultadas e identificadas pelos usuários

Claudio Antunes, da sucursal do Rio

A fotografia de 1952 tem ares de anos dourados, e nela nada prenuncia o suicídio, dois anos depois, do personagem central, o presidente Getúlio Vargas.
Sentado à ponta de uma chaise longue nos jardins da granja Comary, antiga propriedade da família Guinle na região serrana do Rio, o governante que deu nome a uma era e mais tempo ficou no poder no século 20 está cercado por cinco mulheres, três delas na grama, a seus pés.
A primeira à esquerda é sua filha e colaboradora, Alzira Vargas do Amaral Peixoto (1914-1992). As demais são senhoras do jet set da época. Entre os retratados no segundo plano, o milionário Didu de Souza Campos documenta o encontro com uma filmadora.
A imagem é uma das 10.407 reunidas nos 102 álbuns de família da "rapariguinha", como Getúlio chamava Alzira.
A maioria inédita, elas foram digitalizadas e serão liberadas à consulta hoje, na nova versão eletrônica do acervo do CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil), a escola de ciências sociais e história da Fundação Getulio Vargas e sigla fundamental a quem busca informações sobre o período republicano.
A remodelagem da página, agora no endereço http:// cpdoc.fgv.br/, comemora os 65 anos da FGV, neste domingo, e traz três novidades.
A primeira é o mecanismo de busca, agilizando o acesso a 198 arquivos, 5.000 horas de gravação da série História Oral e aos verbetes do "Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro".
Outra inovação é o tamanho do conjunto digitalizado, que passará de cem mil para 480 mil páginas de documentos e de 80 mil para 160 mil fotos.
Por fim, haverá um mecanismo de "anotação colaborativa", explica Suely Braga, coordenadora de documentação do CPDOC. O usuário poderá sugerir adendos à classificação ou apontar equívocos. Se confirmada, a informação será incorporada ao arquivo.
As fotos de Alzira, que vão dos anos 20 ao governo Juscelino Kubistchek (1956-1961), são um caso em questão. No início, ela marcava data e local, sem identificar todos os retratados. Nos últimos álbuns, deixou bilhetes com notas em vermelho, à modo de legenda.
A classificação das imagens foi quase toda feita por Regina Luz, "memória viva" da família Vargas no CPDOC, como brinca Celso Castro, estudioso das Forças Armadas e diretor do centro. Com 32 anos de casa, a pesquisadora organizou o arquivo do cacique do PSD fluminense Ernani do Amaral Peixoto (1905-1989), marido de Alzira, e editou os dois volumes dos "Diários de Getúlio Vargas".
Então presidente (governador) do Rio Grande do Sul e logo do Brasil, após a revolução que pôs fim à República Velha e iniciou a modernização do país, Vargas seria ditador no Estado Novo (1937-1945) e voltaria, eleito, à Presidência, em 1951.
Com tantos personagens, nem a memória de Regina pôde completar todas as legendas. Na foto da granja Comary, uma das cinco mulheres que conversam com o presidente aparece apenas como "Jenny".
Essas lacunas poderão ser preenchidas pelo público. "O "Dicionário" e a História Oral foram marcos de como fazer história recente. Este é mais um momento de inovação", disse Celso Castro.

Acervo mais visto é o 1º a estar on-line
Entre os 198 arquivos pessoais do CPDOC-FGV, tiveram prioridade na digitalização os mais consultados e os que estavam em estado mais precário.
Eles incluem documentos de Getúlio Vargas, do ex-presidente Ernesto Geisel (1974-1975), do educador Anísio Teixeira (1900-1971) e dos embaixadores Antônio Azeredo da Silveira (1917-1990) e Paulo Nogueira Batista (1929-1994).
Mais dois embaixadores, Luiz Felipe Lampreia e Rubens Barbosa, doaram há pouco seus arquivos ao CPDOC. O de Lampreia compreende seu período à frente do Itamaraty (1995-2001) e já está disponível.
Criada em 1944 por decreto de Vargas, a FGV não recebe dotação governamental. Provê bens públicos, como as séries estatísticas, e se financia com cursos, serviços e captações para projetos.
Os arquivos pessoais não são comprados. Sua organização depende de patrocínios. A digitalização e a modernização da manutenção do acervo foram impulsionadas por contribuição de R$ 2,8 milhões do Banco Real.
O acervo tem poucas referências a personagens da política atual. O presidente Lula aparece em entrevistas da História Oral e em documentos relacionados à Constituinte de 1988. (CA)

[Folha de São Paulo, 20/12/2009]

O Futebol Explica o Brasil

Obra que une bola à história presta um grande serviço
Xico Sá, colunista da Folha

Sempre guardei uma dúvida tremenda, diante de artistas e estudiosos -aqui valendo historiadores, sociólogos, antropólogos etc.- sobre essa onda de achar que o futebol é metáfora ou imagem banal para explicar o suíngue, o balé, o governo Getúlio, o autoritarismo de Garrastazu Médici, a pororoca social do profeta João Baptista Figueiredo ou a administração popularíssima do Lula.
Prossigo com a desconfiança pendurada no fio mental que segura tanto o bêbado quanto o equilibrista. É que acho a arte ludopédica superior mesmo. E linguagem por si. Não carece de acadêmicos ou de viver a reboque dos sequestradores de simbologias.
Mas temos, quase todos, que admitir, cresce assustadoramente a capacidade de uma gente estudiosa que une as duas coisas, futebol e realidade, e nos convence bonito. O historiador e jornalista Marcos Guterman, dono de "O Futebol Explica o Brasil", entre a profundidade iluminista do seu primeiro ofício e o coloquialismo da vida de redação, fez mais um bom livro do gênero.
Sai costurando para fora, de 1910 aos anos 00, o tricô entre o que acontece nos estádios e a política. Daí encontramos, por exemplo, a origem povão e operária do Corinthians, os times de colônias imigrantes, o branco no preto que já estavam em Mário Filho e Gilberto Freyre...
Até descambar na era Collor, ex-presidente do CSA de Alagoas. Por que são bons então esses livros que unem a bola à história? Prestam um grande serviço e revelam um para quem não sabe do outro. Quanto moleque não vai se ligar mais aos dois mundos depois de uma visita ao Museu do Futebol, aqui no Pacaembu, em São Paulo?
Tem maneira mais atraente de narrar a trajetória deste país? Guterman tem méritos também além dessa conta simplista que faço. Esmiúça o Brasil do complexo de vira-lata, antes de ganhar Copa, com zelo nunca dantes visto.
O livro, em comparação com outros mais delirantes, como "Veneno Remédio", de José Miguel Wisnik, é uma viagem guiada e mais pedagógica ao museu que citei logo acima. A bibliografia do país do futebol se divide mesmo entre soltar as crianças para brincar no museu ou explicá-las sobre a linha do tempo.
Ótimo, estamos bem de argumentos. Guterman não fica devendo nada da sua parte bem explicada e honesta.
Do que ainda sentimos falta é da ficção futebolística. O único genial do ramo é o contemporâneo "O Paraíso é Bem Bacana", de André Sant'anna, de 2006, que vale por dez "Como o Futebol Explica o Mundo", do badalado Franklin Foer. Sim, temos uma boa penca de contos.
Ah, deixa para lá, tese mais idiota: o futebol não carece dos livros e as bibliotecas não precisam de bolas. Discutir esse assunto é chegar sempre na filosofia de Jardel, grande atacante cearense que emplacou no mundo: "Clássico é clássico e vice-versa".

O FUTEBOL EXPLICA O BRASIL, Marcos Guterman, Editora Contexto

[Folha de São Paulo, 19/12/2009]

Deus nos arruda...



Dossiê Corrupção, da Revista de História da Biblioteca Nacional

Escola de transgressão
Acusações de corrupção mudaram de sentido ao longo da história, mas a cultura da infração nasce da distância entre as leis e a sociedade

Bandalha liberada
No Brasil Colônia, várias formas de apropriação de dinheiro público eram institucionalizadas.

No país da piada pronta
Personagens públicos e episódios políticos inspiraram os caricaturistas a compor a imagem clássica do corrupto: de fraque e cartola.

Moralismo capenga
O combate à corrupção foi palavra de ordem durante a ditadura. Nos porões do regime, porém, a ilegalidade prevaleceu.

Corrupcionário
Por sua natureza fugitiva, a corrupção atende por vários nomes. Engana-se quem pensa que ela é jovem e brasileira. Confira abaixo um pequeno apanhado de termos ligados à corrupção em outras épocas e países.

Especial: Conferência de Copenhague


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A cor da pele de Obama na caverna de Platão

Carlos Eduardo Lins da Silva


O partidarismo político motiva as pessoas a olharem as outras de maneira consistente com suas convicções, em processo consciente ou não

Uma das reportagens mais interessantes de domingo passado é a que relata pesquisa acadêmica sobre como convicções ideológicas podem alterar a maneira de pessoas perceberem aspectos físicos da realidade. No caso, o tom da cor da pele do então candidato à Presidência dos EUA Barack Obama.

O trabalho de professores das universidades de Chicago, Nova York e Tilburg (esta na Holanda) mostra que, diante de um jogo de três fotos como as desta página, uma sem alteração e as outras acentuando ou atenuando o tom negro da pele, quem concordava com as posições políticas de Obama e tendia a votar nele achava que o verdadeiro era o mais claro e os que se opunham e iam votar no seu opositor o reconheciam como o mais escuro, em proporções estatisticamente significativas.

É fácil entender (embora muitos neguem, como se vê em polêmicas políticas, religiosas e esportivas) que a partidarização afeta as crenças.

Como argumenta o líder do grupo que fez esse estudo, Eugene Caruso, não é surpreendente que liberais e conservadores que tenham lido o mesmo texto da proposta de reforma do sistema de saúde dos EUA cheguem a conclusões muito diversas sobre seus méritos.

Muito mais impressionante é que adversários ideológicos olhem para uma só cópia material do projeto de lei e os que o combatem digam que ele é mais longo do que de fato é e os que o apoiam afirmem que ele é menos volumoso do que é na realidade (nos EUA, leis compridas são associadas pelo público com excesso de burocracia e intervenção estatal).
É isso que o resultado desse estudo sugere: nossas crenças afetam não apenas o modo como avaliamos valorativamente o mundo, mas até como percebemos concretamente pessoas e coisas no ambiente.

O partidarismo político motiva pessoas a olharem outras (e figuras públicas, sobretudo) de maneira consistente com suas convicções, em processo consciente ou não.

Diante da mesma mensagem ou até do mesmo objeto, cada um entende ou enxerga o que quer, consegue, pode ou deseja.
É claro que a realidade objetiva existe. As sombras do mito da caverna de Platão não passam de sombras. Mas, para efeitos práticos, podem ser dramáticas as consequências de contingentes enormes de cidadãos estarem convencidos de que as sombras são a verdade.

Também se deve considerar que o estudo trata de questão específica e muito intensa na sociedade americana, na qual foi realizado: as relações raciais (o livro e o filme aqui indicados expressam bem o problema). Mas ele não deixa de propor desafios a quem enfrenta situações similares em qualquer lugar.

A íntegra da pesquisa (em inglês) está em http://www.pnas.org/content/106/48/20168.full.pdf.

PARA LER
"A Marca Humana", de Philip Roth, tradução de Paulo Henriques Britto, Companhia das Letras, 2002 (a partir de R$ 47,16)


PARA VER
"Revelações", de Robert Benton, com Anthony Hopkins, 2003 (disponível em locadoras de vídeo)

*Carlos Eduardo Lins da Silva é o ombudsman da Folha

[Folha de São Paulo, 13/12/2009]

A morte lenta de Víctor Jara, vítima da ditadura chilena

Manuel Délano

Torturado e assassinado pelos golpistas chilenos, o cantor e compositor foi sepultado de forma quase clandestina num modesto nicho. "El País" reconstrói sua morte com as recordações das testemunhas

Cansados e com as mãos entrelaçadas na nuca, os 600 acadêmicos, estudantes e funcionários da Universidade Técnica do Estado (UTE) tomados como prisioneiros pelos golpistas militares iam entrando no Estádio Chile, um pequeno estádio esportivo coberto próximo do palácio La Moneda. Um oficial com óculos escuros, rosto pintado, metralhadora em mãos, granadas penduradas no peito, pistola e um facão curvo no cinturão, observava, de cima de um caixote, os prisioneiros que haviam permanecido na universidade para defender o governo do presidente socialista Salvador Allende. Era o dia 12 de setembro de 1973, dia seguinte ao golpe militar, no início da ditadura de 17 anos encabeçada pelo general Augusto Pinochet.

Com uma voz poderosa, o oficial repentinamente gritou ao ver um prisioneiro de cabelos cacheados:

"Tragam-me aqui este filho da puta!" - gritou para um soldado, recorda-se o advogado Boris Navia, que caminhava na fila de prisioneiros.

"Esse idiota! Esse mesmo!" - gritou para o soldado, que empurrou com violência o prisioneiro. "Não o tratem como uma senhorita, caralho!", alfinetou insatisfeito o oficial. Ao ouvir a ordem, o soldado deu uma coronhada no prisioneiro, que caiu aos pés do oficial.

"Então você é Víctor Jara, o cantor marxista, comunista filho da puta, cantor de merda!", gritou o oficial. Lembra-se Navia. Ele é uma das testemunhas do juiz Juan Fuentes, que investiga o assassinato do cantor e compositor num dos crimes mais emblemáticos da ditadura, porque Jara foi, com seu violão e com seus versos, o trovador da revolução socialista do governo de Allende no Chile. Por seu impacto e pela impunidade em que se encontram os culpados, o crime de Jara é, no Chile, o equivalente ao assassinato de Federico García Lorca na Espanha.

"Ele o golpeava, e o golpeava. Repetidas vezes. No corpo, na cabeça, chutando-o com fúria. Quase que um olho estoura. Nunca esquecerei o ruído daquela bota nas costelas. Víctor sorria. Ele sempre sorria, tinha um rosto sorridente, e isso deixava o oficial mais irritado. De repente, o oficial sacou a pistola. Pensei que ia matá-lo. Continuou batendo nele com o cano da arma. Abriu-lhe a cabeça, e o rosto de Víctor ficou coberto de sangue que corria da testa", contou o advogado Navia à reportagem.

Os prisioneiros ficaram pasmos ao ver a cena. Quando o oficial, conhecido como El Príncipe e até hoje não identificado com plena certeza, cansou-se de bater, ordenou aos soldados que pusessem Jara num corredor e que o matassem se ele se movesse. Foi assim que o autor de canções como "El Cigarrito" e "Te Recuerdo Amanda", que Serrat, Sabina, Silvio Rodríguez e Víctor Manuel incorporaram em seus repertórios, entrou no campo de prisioneiros improvisado pelos militares, onde viveu suas últimas horas.

Muitos relembraram Jara com emoção esta semana, quando sua viúva e filhas e a fundação que leva seu nome organizaram o funeral que ele não pode ter em 1973, a despedida popular que merecia, para sepultar os restos do compositor, exumados em junho por ordem do juiz e devolvidos à família depois de uma nova autópsia, que confirmou as marcas de bala e a tortura.

A violência contra Jara foi um dos símbolos da ditadura de Pinochet (1973-1990), que interrompeu com brutalidade o governo de Allende e os sonhos socialistas, deixando um rastro de sangue de mais de 3.200 mortos e desaparecidos, cerca de 30 mil torturados e dezenas de milhares de exilados. El Chicho, como era conhecido Allende, um médico socialista e maçom, havia chegado à presidência em 1970, em sua quarta tentativa, com 36% dos votos, liderando a Unidade Popular, a coalizão que reunia várias vertentes da esquerda chilena.

Com um programa que oferecia reforma agrária, meio litro de leite diário para as crianças, e a nacionalização do cobre, principal riqueza do Chile que estava nas mãos de empresas norte-americanas, a vitória de Allende nas urnas, a primeira de um marxista no Ocidente em plena Guerra Fria, surpreendeu os Estados Unidos e insuflou esperanças em muitos países, inclusive nos opositores de Franco na Espanha. O presidente Richard Nixon, irritado, ordenou na Casa Branca a intensificação das ações desestabilizadoras.

Mas o Chile vivia um momento de efervescência. As mobilizações sociais estavam em ascensão, e com Allende em La Moneda, o governo ganhou apoio nas urnas em vez de perdê-lo. O cerco norte-americano ficou mais estreito com o embargo às exportações de cobre, em resposta a uma nacionalização em que o Chile decidiu não indenizar as empresas expropriadas por terem obtido lucros excessivos, enquanto a oposição de centro e direita se reuniu numa coalizão contra Allenda, e a esquerda mais radical começou a deixar o governo, acusando-o de reformista. A luta política se exacerbou.

O governo socialista reuniu uma ampla adesão de artistas e intelectuais. Nos três anos de Allende, o Chile viveu uma descoberta cultural como nunca antes, e Víctor Jara foi um de seus protagonistas. Filho de camponeses, conheceu a exploração e a miséria na sua infância e juventude. Aprendeu música por intuição de sua mãe. Quando ela morreu, viajou para Santiago para estudar teatro. Como diretor teatral recebeu prêmios da crítica e da imprensa por suas montagens e fez turnês por dois continentes.

Enquanto estudava dramaturgia, começou a tocar e a compor com o grupo Cuncumén. Depois trabalhou com as estrelas do folclore chileno: Quilapayún, Inti Illimani, Ángel e Isabel Parra, Patricio Manns, Rolando Alarcón. Violeta Parra, a autora da conhecida "Gracias a La Vida", foi uma das pessoas que descobriu cedo o talento de Jara como compositor e intérprete.

Militante comunista, Jara defendeu a Unidade Popular com seu violão, fez canções de protesto, mas suas maiores obras, aquelas mais simples e imperecíveis, são as que brotam da terra e da pobreza dos bairros da periferia de Santiago, as fontes de seu saber. Víctor acreditava que "a melhor escola para o canto é a vida", recorda sua viúva, Joan Turner, em "Um Canto Trunco, As Memórias de Jara". Nomeado embaixador cultural por Allende, preferia as reuniões populares com os amigos aos coquetéis dos diplomatas.

Durante a greve de outubro de 1972, com a qual a oposição quis colocar o governo de joelhos, junto com dezenas de milhares de pessoas, Jara saiu para fazer trabalhos voluntários para impedir que a economia parasse. No turbilhão, escreveu o "Manifiesto", seu testamento musical: "Yo no canto por cantar / ni por tener buena voz, / canto porque la guitarra / tiene sentido y razón" ["Eu não canto por cantar / nem por ter uma boa voz / canto porque o violão / tem sentido e razão"].

Com a inflação descontrolada, a falta de abastecimento e o mercado negro, o transporte paralisado e com o maior partido opositor, a Democracia Cristã, fechando as portas para o diálogo para encontrar uma saída, quase não restavam opções a Allende, e muitos acreditavam que um golpe militar estava iminente. Allende resolveu que convocaria um plebiscito em 11 de setembro para decidir se continuaria ou não no poder. Os militares ficaram sabendo e adiantaram o golpe militar para aquele dia.

O cenário que Allende havia escolhido para pronunciar o discurso que poderia ter mudado a história foi a sede da UTE. Mas ele nunca aconteceu. A par do levante militar, Allende correu para La Moneda com seus colaboradores mais próximos, para defender a democracia. Dispostos a tudo, os militares bombardearam o palácio e Allende, que só sairia dali sem vida, pediu aos funcionários que permanecessem em seus postos, mas que não se deixassem provocar, e antecipou em seu lúcido discurso final que outras gerações superariam aquele momento.

Em assembléias realizadas nas faculdades, a comunidade da UTE resolveu permanecer na sede universitária, como pediu Allende. Entre eles, Víctor Jara, que trabalhava com extensão na universidade e deveria cantar no ato de Allende. Falou duas vezes por telefone com Joan e acreditava que voltaria para casa no dia seguinte. Naquela noite, animou os estudantes em seu último recital, enquanto as balas dos militares soavam por toda Santiago.

No dia seguinte, os militares instalaram um canhão em frente à universidade e dispararam contra a reitoria enquanto uma centena de soldados esvaziavam suas armas. Não houve resistência: estavam desarmados. Os militares arrombaram portas e trincos e tomaram as 600 pessoas que permaneceram ali como prisioneiros.

O inferno estava a alguns quilômetros dali, no Estádio Chile, rebatizado no período democrático como Estádio Víctor Jara. Ali o compositor ficou deitado no chão. Um estudante peruano, confundido com um cubano, teve a orelha cortada com uma faca. A um professor de ciências sociais que carregava provas recém-corrigidas de seus alunos perguntaram quais eram as duas melhores notas e o obrigaram a comer as folhas das provas. Os prisioneiros foram ameaçados com "as serras de Hitler", metralhadoras de grande calibre cujas balas cortam os corpos. Um operário gritou: "Viva Allende!", e foi jogado das arquibancadas, sangrando até morrer. No recinto cabiam duas mil pessoas, apertadas, mas os militares amontoaram mais de cinco mil prisioneiros ali.

El Príncipe recebeu visitas de oficiais e quis exibir Jara. Um oficial da Força Aérea que tinha um cigarro na mão perguntou a Jara se ele fumava. Com um gesto de cabeça, ele negou. "Agora vai fumar", advertiu, e jogou o cigarro. "Pegue-o!", gritou. Jara se estendeu, temeroso, para recolhê-lo. "Vamos ver se agora você vai tocar violão, comunista de merda!", gritou o oficial enquanto pisoteava as mãos de Jara, relata Navia.

"Quando chegaram mais prisioneiros e os soldados foram recebê-los, Víctor ficou sem custódia. Vários de nós o arrastamos até onde estávamos e começamos a limpar suas feridas. Estava há quase dois dias sem comida nem água", disse Navia. Um detento conseguiu que um soldado lhe desse um tesouro: um ovo cru que eles deram a Jara. Com um fósforo, o compositor perfurou o ovo em ambos os extremos e o sorveu. "Ele nos disse que foi assim que aprendeu a comer os ovos em sua terra", lembra-se.

Jara recuperou as energias. "Meu coração bate como um sino", disse. E falou de Joan e de suas filhas. Dois detentos conseguiram se libertar graças a contatos. Vários escreveram mensagens breves para que avisassem a seus parentes que estavam vivos. Víctor pediu lápis e papel. Navia lhe passou um pequeno caderno de notas, conservado hoje pela Fundação Jara, como peça de museu. Ele escreveu com dificuldade seus últimos versos: "Canto que mal que sales / Cuando tengo que cantar espanto / Espanto como el que vivo / Espanto como el que muero" ["Canto que mal que sai / Quando tenho que cantar espanto / Espanto como o que vivo / Espanto como o que morro"].

De repente, dois soldados o pegaram e arrastam, mas Jara conseguiu lançar a caderneta. Navia ficou com ela. Começou uma surra mais brutal que as anteriores, a coronhadas. Outros prisioneiros ainda o veriam com vida horas depois. Um soldado, José Paredes, confessou 36 anos depois que eles jogaram roleta russa com Jara antes de matá-lo nos subterrâneos. Ele é o único processado vivo pelo caso. O outro, o chefe do local, o coronel Mario Manrínquez, faleceu. A primeira autópsia, em 1973, revelou 44 disparos. A nova, de 2009, confirma que Jara morreu por múltiplos impactos. Mas Paredes retificou sua confissão.

Ao anoitecer de sábado, 15 de setembro, os prisioneiros foram transferidos do Estádio Chile para o maior estádio do país, o Estádio Nacional. "Ao passar pela saída, vimos um espetáculo dantesco. Havia entre 30 a 40 cadáveres empilhados, e dois deles estavam mais próximos. Todos estavam baleados e tinham um aspecto fantasmagórico, cobertos de pó branco, porque perto deles havia alguns sacos de cal para fazer reparos, que cobria seus rostos e secava o sangue. Reconheci Víctor em primeiro lugar, e depois o advogado e diretor de prisões Littré Quiroga", relata Navia.

Jara estava sem a jaqueta que outro prisioneiro havia lhe dado quando estava com frio. Naquela noite, os soldados jogaram seis dos cadáveres, entre eles o de Jara, perto do Cemitério metropolitano, no acesso sul de Santiago. Uma vizinha reconheceu o compositor e avisou para que o recolhessem. Quando o corpo chegou ao necrotério, um funcionário que era comunista também reconheceu Jara e avisou sua esposa Joan para que o enterrasse antes que ele fosse sepultado numa vala comum.

O corpo do compositor estava junto ao de centenas de vítimas numa mesa do necrotério, ao final de uma fila de jovens. Só três pessoas acompanharam Joan no funeral semi-clandestino realizado no Cemitério Geral de Santiago, onde foi enterrado num humilde nicho. Jara estava em seu ápice criativo, pouco antes de completar 41 anos, e os que cortaram sua vida não imaginavam que o tornariam ainda mais conhecido, assim como a si mesmos.

Tradução: Eloise De Vylder

[El Pais, 13/12/2009]


Medos da "Eurábia": até que ponto a Europa pode suportar Alá?

Andrea Brandt, Marco Evers, Juliane von Mittelstaedt, Mathieu von Rohr e Britta Sandberg

A recente votação na Suíça que culminou na proibição da construção de novos minaretes chocou e enfureceu muçulmanos em todo o mundo. Mas a medida polêmica também reflete uma sensação crescente de desconforto entre outros europeus que sentem dificuldades em aceitar a visibilidade cada vez maior do islamismo.

Na pequena cidade suíça de Langenthal, a batalha em torno dos minaretes tem sido travada, e não parece haver esperança de reconciliação entre vitoriosos e derrotados. "Eu me sinto vítima de abuso e ferido como pessoa", queixa-se Mutalip Karaademi. "Nós queríamos atingir um símbolo", afirma Daniel Zingg. "E nós o atingimos".

Zingg impediu a construção do minarete desejado por Karaademi, e conseguiu fazer com que se tornasse ilegal a construção de qualquer outro minarete na Suíça. Ele foi um dos autores do texto do referendo que foi aprovado pelos suíços em 29 de novembro último, com 57,5% dos votos. Agora a constituição trará a seguinte sentença: "É proibida a construção de minaretes".

A decisão suíça chocou a Europa e o mundo porque os seus desdobramentos vão bem além da construção de minaretes - eles dizem respeito também à identidade de um continente inteiro. Este foi um referendo sobre a percepção ocidental do islamismo como uma ameaça.

A questão está gerando intensos debates: até que ponto a Europa preponderantemente cristã está preparada para aceitar o islamismo? A decisão tomada por este país alpino tradicionalmente tolerante revela o temor profundo quanto a um islamismo que está se tornando cada vez mais visível.

Os imigrantes muçulmanos estão ameaçando os valores europeus? Esta é uma preocupação compartilhada por muitos europeus em todo o continente. Pesquisas de opinião conduzidas na semana passada revelaram que 44% dos alemães e 41% dos franceses opõem-se à construção de minaretes. E 55% de todos os europeus veem o islamismo como uma religião intolerante.

A decisão dos suíços revelaria uma atitude que a maioria dos europeus também apoiaria caso tivesse oportunidade?

Críticas veementes
Isso explicaria também por que as críticas à votação foram tão veementes. O ministro francês das Relações Exteriores, Bernard Kouchner, o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, os Estados Unidos e o Vaticano uniram-se nas críticas.

Eles disseram que a votação suíça violou os princípios de liberdade de religião e de não discriminação. O ministro da Turquia na União Europeia pediu aos muçulmanos que invistam o seu dinheiro na Turquia, em vez de na Suíça, e o primeiro-ministro turco Tayyip Erdogan disse que o fato reflete "uma posição cada vez mais racista e fascista na Europa".

Mas a votação foi bem recebida e comemorada em alguns blogs da Internet, e populistas de direita como o presidente do holandês Partido pela Liberdade, Geert Wilders, bem como o partido direitista francês Frente Nacional manifestaram a sua aprovação. Roberto Castelli, um político importante da italiana Liga Norte, afirmou: "Os suíços nos deram mais uma vez uma aula de civilização. Nós temos que mandar um recado forte para conter a ideologia pró-islâmica".

Por ora, o que se conteve foi o minarete da comunidade religiosa muçulmana de Langenthal. Mutalip Karaademi, 51, um indivíduo de etnia albanesa que imigrou da Macedônia 26 anos atrás, está de pé em frente à instalação usada pela sua associação religiosa. O prédio é uma antiga fábrica de tinta na periferia da cidade. No topo há uma construção de madeira medindo 6,1 metros. Ela mostra a altura do minarete planejado. O primeiro minarete, que não pode ser construído.

Karaademi é o líder da comunidade muçulmana local, cujos 130 membros vieram da Albânia, do Kosovo e da Macedônia. A pequena mesquita foi inaugurada 18 anos atrás. No início o minarete não era muito importante, diz Karaademi. Ele era simplesmente um complemento ornamental. Mas agora ele transformou-se em uma questão de princípios.

Ele deseja tomar providências legais - se necessário, ir até ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos, onde é bastante possível que os juízes em Estrasburgo acabem revertendo a decisão constitucional suíça. Karaademi diz adorar a Suíça, que para ele é um modelo de país. "Mas esta proibição é racista e nos discrimina. É um escândalo para o mundo civilizado", queixa-se ele.

A batalha de um só homem
O tranquilo vencedor desta batalha é Daniel Zingg, 53, um homem calvo que usa óculos de metal. Ele está sentado em uma pizzaria em frente à estação ferroviária de Langenthal, e conversa em uma voz rouca e baixa. "Os minaretes, aquelas pontas de lança da Sharia, aqueles marcos de território recém-conquistado pelo islamismo, não podem mais ser construídos aqui", diz ele.

"E, dessa forma, a Suíça resolveu um problema que já havia se tornado aparentemente insolúvel em outros lugares, tais como nas grandes cidades da Inglaterra e da França. É um fato bem conhecido que primeiro chegam os minaretes, depois os muezins, os indivíduos que convocam os crentes às preces, as burcas e, finalmente, a lei Sharia", diz ele. Segundo Zingg, a proibição não é dirigida contra os muçulmanos, embora seja verdade que "o Alcorão delega às pessoas a missão de islamizar o mundo, e os muçulmanos daqui não tem nenhuma outra missão, caso contrário, eles não seriam muçulmanos".

Nos últimos 15 anos, Zingg tem dado palestras de apoio a Israel e contra o islamismo. Ele é um político do ultraconservador partido cristão do país, a União Democrática Federal, que recebeu 1,3% dos votos na última eleição. Ele nunca pôs o pé na mesquita da sua cidade porque ouviu falar que quem quer que ande descalço em uma mesquita torna-se muçulmano. Zingg não quer correr esse risco.

Alguém pode perguntar como um homem como esse, cujas posturas radicais certamente não refletem a opinião majoritária na Suíça, foi capaz de obter uma maioria para a sua causa. Além disso, muita gente pode querer entender por que um país que tem pouquíssimos problemas com os seus cerca de 400 mil muçulmanos decidiu tomar uma medida tão drástica.

Talvez os temores estejam aumentando e as demandas radicais estejam se tornando cada vez mais populares porque praticamente não há discussão política a respeito do lugar que o islamismo assumirá na Europa.

Atualmente, vivem na União Europeia cerca de 15 milhões de muçulmanos, ou aproximadamente 3% da população. Mas este número é maior do que o registrado em qualquer período passado. Os imigrantes, muitos dos quais vieram como trabalhadores convidados década atrás, trouxeram o islamismo para a Europa.

Será que a Europa ainda seria a Europa se, por exemplo, em 2050, a maioria da população mais jovem com menos de 15 anos de idade na Áustria fosse composta de muçulmanos? Ou quando, atualmente, o nome Muhammad (Maomé) já é o mais comum entre os garotos recém-nascidos em Bruxelas e Amsterdã, e o terceiro mais comum na Inglaterra?

Uma "discussão oficial sobre o islamismo" e uma discussão subterrânea
O escritor e jornalista norte-americano Christopher Caldwell publicou recentemente a sua última obra, "Reflections on the Revolution in Europe: Immigration, Islam and the West" ("Reflexões sobre a Revolução na Europa: Imigração, Islamismo e o Ocidente"), um livro altamente lido e permeado de ceticismo sobre a Europa e os seus imigrantes muçulmanos.

O que o fascina a respeito do resultado da votação suíça é a contradição entre a rejeição do banimento dos minaretes nas pequisas e o apoio considerável que a proposta recebeu durante o referendo. "Isso significa que existe uma discussão oficial sobre o islamismo e, ao mesmo tempo, uma discussão subterrânea", afirma Caldwell. "Isso deveria preocupar os europeus".

Caldwell não usa no seu livro os mesmos tons alarmistas de outros escritores conservadores que apelidaram o continente europeu de "Eurábia", e que veem a Europa - devido à taxa de natalidade mais elevada dos imigrantes - como um futuro bastião do "império mundial islâmico". Mas ele também escreve: "Não há dúvida de que a Europa emergirá mudada dessa confrontação com o islamismo. Mas há muito mais incerteza quanto à possibilidade de o islamismo mostrar-se assimilável".

Caldwell acredita que os imigrantes muçulmanos têm tido maiores dificuldades do que outros grupos para se integrarem à sociedade europeia. Por outro lado, somente uma minoria consegue se identificar com o islamismo político, até por causa das guerras que o Ocidente tem travado contra o terrorismo islâmico no decorrer dos últimos anos. Por outro lado, a religião desses indivíduos está vinculada a atitudes conservadoras em relação às mulheres, às relações familiares, à liberdade sexual e aos direitos de gays e lésbicas. Essas atitudes religiosas são problemáticas para muitos europeus.

Caldwell diz que, apesar de os muçulmanos constituirem-se em uma pequena minoria, a Europa está modificando as suas estruturas por causa deles: "Quando uma cultura insegura, maleável e relativista encontra uma cultura que é ancorada, confiante e fortalecida por doutrinas comuns, é geralmente a primeira que muda para adequar-se à última".

Parte Dois: Temores Generalizados na Alemanha
A Alemanha ainda não conduziu um debate nacional sério sobre essas questões. Em vez disso, o país tem se concentrado nos lenços de cabeça muçulmanos, um tópico que gerou um choque entre as duas culturas.

Durante seis longos anos os alemães tentaram determinar se uma professora do Afeganistão deveria ter permissão para usar um lenço de cabeça na sua escola em Baden-Württemberg. O caso acabou chegando ao Tribunal Constitucional Alemão, que determinou que cabe aos Estados individuais emitirem legislações sobre os lenços de cabeça. Desde então, professoras da metade dos 16 Estados da Alemanha foram proibidas de usar os lenços.

Quando houve conflitos - como aqueles em torno da construção de mesquitas -, estes ocorreram em um nível municipal. E isso geralmente levou a soluções bem alemãs, nas quais os planos de construção e de regulamentações de áreas desempenham um grande papel.

Na cidade de Kehl, próxima à fronteira francesa, por exemplo, propostas para a construção de uma mesquita em uma área residencial foram rejeitadas. No entanto, ela pôde ser construída perto da estação ferroviária, tendo um minarete com a altura exata da torre da igreja. Já em outras situações, nem mesmo um pequeno minarete pôde ser construído, como em Augsburg, na Baviera. Enquanto isso, fracassou uma iniciativa dos cidadãos de Colônia de impedir a construção de uma grande mesquita central - uma das maiores da Europa.

Mas, não obstante, há temores generalizados na Alemanha, conforme foi ilustrado pelo exemplo de uma igreja em Duisburg que foi recentemente convertida em mesquita. Membros da antiga congregação da igreja entregaram cerimoniosamente a casa de orações aos seus novos donos: "Mas nos pubs e nas conversas privadas, todo mundo reclamou, afirmando que os muçulmanos estão conquistando o poder na Alemanha", diz Rauf Ceylan, um professor de estudos religiosos da Universidade de Osnabrück. Ele afirma que os alemães têm um medo latente do islamismo.

O paradoxo britânico
O Reino Unido é o exemplo mais perturbador citado por vários pessimistas. Embora apenas pouco menos de 3% da população britânica seja muçulmana, em sua maioria vinda do Paquistão e de Bangladesh, em nenhum outro país da Europa tantos muçulmanos vivem totalmente isolados do resto da sociedade - em cidades como Bradford, Dewsbury e Leicester.

A maior parte dos antigos residentes originais - ingleses da classe operária - mudou-se há muito tempo do distrito de Bury Park, em Luton, que fica 50 quilômetros ao norte de Londres. As ruas do lugar estão repletas de mulheres usando niqabs, o véu islâmico de face inteira que traz apenas uma pequena abertura para os olhos, e de homens com barbas grisalhas.

Há também açougueiros halal (sistema de abate de animais segundo as leis muçulmanas) e dez mesquitas. Um minarete feito de tijolos ingleses vermelhos foi adoravelmente integrado a uma fileira de casas. Os muezins convocam os fiéis às preces por meio de alto-falantes.

Nas ruas, os moradores falam bengali ou urdu. O centro comunitário oferece cursos de naturalização. As mesquitas ministram cursos anti-terrorismo financiados pelo Estado que são elaborados para imunizar os jovens muçulmanos contra a propaganda dos extremistas. Antigamente o bairro costumava ser frequentado por religiosos muçulmanos convidados que pregavam o ódio, e foi daqui que saíram os quatro militantes suicidas para atacar o sistema de transporte de Londres e matar 52 pessoas em 7 de julho de 2005.

Mas muitos muçulmanos de segunda, terceira e quarta geração já se mudaram há muito tempo deste lugar. Eles têm alto nível educacional, possuem cidadania britânica, e trabalham como médicos, advogados e políticos.

O Estado britânico fez mais no sentido de acomodar as necessidades culturais dos seus cidadãos muçulmanos do que qualquer outro país europeu. Policiais femininas muçulmanas têm permissão para cobrir o cabelo com lenços. O lenço faz parte do uniforme delas.

Durante os últimos dois anos, os muçulmanos britânicos têm podido também recorrer a tribunais de arbítrio muçulmanos que são baseados na lei Sharia. As decisões desses tribunais têm peso legal para ambas as partes em um conflito. Se necessário, um funcionário do judiciário britânico faz cumprir a sentença. Esta prática é única na Europa.

Esses tribunais de arbítrios foram criados pelo xeque Faiz-ul-Aqtab Siddiqi. Atualmente os seus tribunais de lei Sharia analisam casos em sete cidades inglesas e nada têm a ver com decepar mãos ou apedrejar pessoas até a morte. Eles só lidam com disputas civis, e somente se ambas as partes concordarem com o processo.

Esses tribunais reuniram-se cerca de 600 vezes nos últimos 12 meses, lidando principalmente com disputas entre parceiros empresariais, problemas de bairros e até mesmo questões de herança. Segundo Siddiqi, eles têm permitido que os muçulmanos britânicos sejam capazes de identificar-se mais fortemente com o Reino Unido.

Até que ponto o islamismo pode ser visível na França?
Jocelyne Cesari, uma especialista francesa em islamismo, diz que a situação britânica é um paradoxo: "Por um lado, há uma próspera classe média muçulmana, e, ao mesmo tempo, aquele é o país com o maior número de muçulmanos vivendo em distritos isolados e adotando as posições mais radicais".

Ela não vê problemas nos tribunais de arbítrio baseados na lei Sharia, contanto que eles não conflitem com as leis tradicionais do país. Segundo Cesari, compromissos são aceitáveis em áreas que conflitem com os direitos da maioria e não desrespeitem nenhuma lei.

"O multiculturalismo não significa que a velha maioria estabelecida tenha direitos especiais", afirma ela, acrescentando que o postulado de Caldwell de que o islamismo é incompatível com os valores europeus é uma mistura de meias verdades e preconceitos: "Os muçulmanos estão sem dúvida preparados para se adaptarem - eles adotam com frequência uma postura crítica em relação à sua própria religião".

Mas Cesari diz que existe uma luta em torno do reconhecimento simbólico do islamismo: "Durante as primeiras décadas, os muçulmanos criaram modestas salas de orações. Agora eles desejam ter instalações que compitam com as igrejas e catedrais da Europa". Ela afirma que, como o cristianismo tem se afastado cada vez mais da esfera pública, muitos europeus veem as mesquitas como uma provocação.

Atualmente a França está procurando determinar oficialmente até que ponto o islamismo pode ser visível dentro das fronteiras do país. Esse debate está ocorrendo em uma sala sem janelas do subsolo de um edifício parlamentar em Paris. Cadeiras de couro escuro estão arrumadas em círculo, e na frente da parede principal de madeira senta-se André Gerin, o diretor do comitê parlamentar que investiga a questão do "uso dos véus de corpo inteiro".

Gerin, um comunista, é prefeito do subúrbio de Vénissieux, em Lyon, há mais de 24 anos. Ele usa um terno cinza de listras finas com calças que estão meio curtas. Gerin diz que fez pressões para a criação deste comitê porque a burqa está ameaçando os ideais republicanos da França.

À direita de Gerin, sentado em frente aos membros do comitê, está Tariq Ramadan, um controverso e inteligente filósofo e teólogo muçulmano que tem cidadania suíça. Ramadan usa um terno escuro e exibe uma barba de três dias. Ramadan se opõe a uma lei que proibiria o uso da burqa porque, segundo ele, isso só estigmatizaria o islamismo.

"Monsieur Ramadan", diz Gerin, formulando a sua primeira questão. "O uso da burqa é uma obrigação religiosa? Ou você vê - assim como nós - esta prática como uma forma de opressão da mulher?".

"Não", responde Ramadan. "Não existe obrigação de se usar a burqa e sem dúvida há homens que obrigam as suas mulheres a usar essa veste contra a vontade delas. Mas uma lei só provocaria mais isolamento".

"Sendo assim, o que você sugere?", indaga o diretor da comissão. "A aplicação das leis existentes", diz Ramadan. "É claro que uma mulher que usa a burqa teria que mostrar a face durante uma verificação de identidade. Mas precisamos entender finalmente que o islamismo tornou-se uma religião francesa".

Ramadan é o 145º especialista a ser entrevistado. Durante anos ele tem defendido um islamismo autoconfiante na Europa, adaptado às demandas da era moderna e compatível com as conquistas europeias como o respeito aos direitos humanos e a democracia. Os seus oponentes acusam Ramadan de ser um mentiroso hipócrita que estaria tentando transmitir uma falsa sensação de segurança à população europeia.

Os europeus reduzem o islamismo à burca?
Gerin gostaria de iniciar um debate sobre até que ponto a França - com a sua separação estrita entre igreja e Estado - está disposta a aceitar o islamismo. Ele afirma que só está usando a burca como um catalizador. O serviço de inteligência interna da França identificou apenas 367 mulheres em todo o país que usam burqa. De todos os problemas associados aos seis milhões de muçulmanos do país, as burqas são provavelmente o menor deles.

Muitos religiosos muçulmanos acusam os europeus de reduzirem o islamismo à burqa, a burqa ao Taleban, e o Taleban a Osama Bin Laden. Esses indivíduos afirmam que as pessoas falam sobre eles como se todos fossem radicais islamitas, e não já estivessem morando no país há décadas.

Mas Gerin alcançou o seu objetivo. Na sua sala de audiências a República Francesa está lutando com a exceção à regra - em nome da liberdade, da igualdade e da fraternidade.

"Como podemos aceitar ataques à liberdade pessoal de qualquer pessoa no nosso país? Como é que os governantes não têm respostas para essas questões? Como isso é possível na França secular?", questiona Gerin.

Gerin é um comunista que move uma campanha para defender os ideais republicanos, e um prefeito que defende a sua cidade. Mas ele é também um realista: "Estamos cerca de 25 anos atrasados, mas nós temos que finalmente aceitar que os muçulmanos têm o direito de estabelecerem-se aqui", diz ele. "Mas eles terão que se adaptar à nossa sociedade".

O debate francês sobre a burqa tem algo em comum com a proibição dos minaretes na Suíça: ambos estão atacando um símbolo, mas eles têm um outro objetivo. Eles são movidos pela esperança de que possam reduzir a influência do islamismo ao limitar a sua visibilidade. É mais fácil lutar quanto a questões sensíveis do que lidar com problemas concretos - discutir a respeito de meninas que não participam de aulas de natação, comida halal em refeitórios de companhias e orações durante a jornada de trabalho. Isso é também uma estratégia bastante impotente.

Um "choque de culturas" na Bélgica
Em Antuérpia e em vários outras cidades belgas, há anos as mulheres são proibidas de cobrir as faces. A polícia já advertiu várias mulheres que usavam niqabs e burqas. Mas na verdade faz muito tempo que a proibição não é um problema neste país - de fato, é difícil encontrar muçulmanos que se irritem com isso.

Por outro lado, os lenços de cabeça islâmicos têm sido motivo de grande controvérsia em Antuérpia. Esta é uma cidade portuária cosmopolita, mas nas recentes eleições locais um terço dos eleitores apoiaram o Vlaams Belang (Interesse Flamengo), um partido político de direita que possui uma plataforma anti-imigração. Três anos atrás, um prefeito socialista foi o primeiro a proibir os lenços de cabeça no setor público. Desde setembro essa proibição inclui também os alunos de escolas.

Karin Heremans, 46, é a diretora do Royal Antheneum de Antuérpia, uma famosa escola de segundo grau que lembra uma fortaleza no centro de Antuérpia. Ela é loura e usa um vestido de seda curto e batom rosa, o que faz com que tenha uma aparência oposta à das garotas da sua escola, a maioria das quais é muçulmana. Elas usam camisas de gola alta e lenços de cabeça, pelo menos até chegarem ao espelho que está pendurado no salão de entrada, onde as meninas têm que tirar os lenços de cabeça.

Quando se tornou diretora da escola em 2001, apenas dez dias antes dos ataques terroristas de 11 de setembro nos Estados Unidos, Heremans jamais teria achado que um dia proibiria os lenços de cabeça. Mas foi naquele momento que irrompeu o "choque de culturas", conforme ela denomina o fenômeno, e com esse termo ela não se refere ao choque no mundo externo, mas ao conflito dentro do pátio da sua própria escola.

No início, os professores continuaram falando às alunas sobre Darwin, e havia desfiles de moda e até mesmo uma viagem de campo a Istambul. Tudo parecia possível. Em 2005, Heremans chegou a escrever um livro no qual rejeitava uma proibição dos lenços de cabeça e dizia acreditar que as diferenças culturais são enriquecedoras.

Mas um número cada vez maior de escolas em Antuérpia proibiu os lenços de cabeça, e mais e mais garotas foram transferidas para o Antheneum. Esta foi a última escola a não impor a proibição. Finalmente, as meninas passaram a vir para a escola totalmente cobertas, dos pés à cabeça, com casacos longos e luvas, e um representante de uma organização islâmica ficava na entrada e observava quais delas removiam os lenços na escola.

"Nós trocamos a palavra tolerância por reciprocidade", diz Heremans. "Todos os que desejarem liberdade de religião precisam respeitar a liberdade de religião dos outros". É preciso haver valores inalienáveis, como igualdade entre os sexos, liberdade de expressão e religião e respeito, diz ela. Poucos dias após Heremans decretar a sua proibição, a diretoria da escola aprovou a medida. A partir do ano que vem, os lenços de cabeça - e todos os outros símbolos religiosos - estarão proibidos em todas as 700 escola públicas de Flandres. Agora muitas garotas frequentam escolas islâmicas ou estudam apenas em casa.

O maior desafio da Europa?
A polêmica em torno do lenço de cabeça em Antuérpia é um dos últimos exemplos das questões com as quais a Europa se defronta. Será que o continente será capaz de preservar os seus valores - e liberdades - limitando as liberdades pessoais?

Lidar com o islamismo talvez seja o maior desafio com o qual a Europa se depara. Se o continente for capaz de preservar os seus próprios valores sem discriminar os muçulmanos, um consenso quanto a valores poderá ser alcançado e os muçulmanos europeus poderão tornar-se um modelo para o mundo muçulmano. No entanto, caso fracasse, a Europa poderá trair os seus próprios valores, e os populista poderão vencer. As soluções simplistas destes últimos atiçarão as chamas do choque de culturas.

Há vários argumentos contra os alarmistas que temem que a Europa esteja a caminho de tornar-se uma colônia árabe. A vasta maioria dos muçulmanos se adapta ao seu novo país, é menos religiosa do que nos seus países de origem e aceita a cultura predominante. Além disso, os temores quanto às elevadas taxas de natalidade dos imigrantes muçulmanos mostraram-se exagerados. Na segunda e na terceira gerações, esses índices caem para a média nacional.

Mas às vezes os medos são mais poderosos do que os fatos, e com frequência uma proibição de minaretes não tem nada a ver com minaretes. Nas cidades suíças onde muçulmanos e cristãos coexistem há muito tempo, a iniciativa não conseguiu obter a maioria dos votos. No cantão montanhoso de Appenzell-Innerrhoden, onde só ha 500 muçulmanos, 71% dos votos foram favoráveis à proibição dos minaretes.

Já em Langenthal, uma pequena cidade rural na qual havia planos para a construção de um minarete, o índice de apoio à proibição foi quase exatamente igual à media nacional suíça.

Tradução: UOL

[Der Spiegel, 12/12/2009]

Novo estudo conclui que o racismo prevalece na Europa


Para grupos de minorias morando na Europa, tarefas diárias como fazer compras ou visitar o médico frequentemente são afligidas por discriminação. De acordo com um novo relatório da UE, o racismo está profundamente enraizado -e, ainda mais preocupante, muitas vezes não é denunciado.

Para muitas minorias étnicas e imigrantes, o racismo e a discriminação são um fato triste da vida diária, de acordo com um novo relatório da Agência de Direitos Fundamentais da União Europeia.

Em certa época, os europeus fugiram em grandes números da Europa em busca de um futuro mais promissor em outras partes. Gradualmente, contudo, a UE emergiu como imã de imigrantes. A experiência das minorias étnicas e dos recém chegados muitas vezes não é nada cor de rosa, de acordo com uma nova pesquisa.

Entre uma série de conclusões estarrecedoras, ela revelou que em média, um em cada dois romas e mais de um terço dos entrevistados africanos subsaarianos foram discriminados por sua etnia ao menos uma vez no último ano.

Dúvidas em relação à polícia local
Impressionantemente, eles também descobriram que entre os que enfrentaram discriminação nos últimos 12 meses, 82% não denunciaram suas experiências às autoridades, em geral por desconfiarem da polícia local.

O estudo em toda a UE é o primeiro do tipo, e entrevistou 23.500 pessoas de várias minorias e grupos de imigrantes em torno dos 27 Estados membros em 2008. Para avaliar a extensão do problema, usou uma série de questões sobre a discriminação em várias esferas da vida diária, inclusive no trabalho, na busca por trabalho e acomodação, em serviços de saúde e sociais, em escolas e lojas, assim como ao tentar abrir uma conta de banco ou obter um empréstimo.

O relatório concluiu que os romas enfrentam mais discriminação por causa de sua origem do que outros grupos. Em média, cada entrevistado roma foi discriminado cerca de 4,6 vezes no ano passado. Após os romas, os povos subsaarianos foram os mais discriminados, seguidos dos norte-africanos.

Ameaças motivadas pela raça
A organização também dividiu suas descobertas país a país, ressaltando as zonas de alto nível de preconceito na UE. Os que mais sofreram com o racismo foram os romas na República Tcheca, seguidos pelos romas na Hungria e na Grécia. Quase igualmente maltratados foram os africanos subsaarianos na Irlanda e os norte-africanos na Itália.

Em um esforço para diferenciar entre tipos de discriminação, o relatório também estudou os números de ataques e ameaças contra as minorias, e alguns somalis na Finlândia tiveram os mais altos incidentes na Europa. De cada 100 entrevistados, 74 disseram ter passado por um ataque ou ameaça. Em termos de provocações sérias, houve 174 incidentes para cada 100 romas na Grécia.

Enquanto os romas, os subsaarianos e muçulmanos consistentemente denunciaram os mais altos níveis de racismo, uma exceção foram os brasileiros morando em Portugal. Eles falaram de altos níveis de sentimento anti-imigração.

Na Europa como um todo, uma em cada quatro pessoas de uma minoria foi vítima de crime nos últimos anos -uma descoberta amargamente irônica, já que estes mesmos grupos são muitas vezes estereotipados como criminosos.

Entre os entrevistados, os mais jovens denunciaram maior violência. Por exemplo, entre os imigrantes norte-africanos, a maior parte dos ataques foi registrada pelos mais jovens (um terço das pessoas com 24 anos ou menos tinha sido vítima, além de 30% das com 25 a 39 anos). No grupo de 55 anos ou mais, apenas 12% foram afetados.

Desconfiança da polícia
De forma interessante, o relatório não encontrou diferenças significativas no gênero das vítimas, em contraste com pesquisas anteriores.

Algumas comunidades entrevistadas viam a polícia como parte do problema. Entre os norte-africanos na pesquisa, um em cada cinco achava que tinha sido revistado pela polícia devido a sua etnia.

Similarmente, o relatório apontou para uma desconfiança prevalecente entre imigrantes e minorias étnicas em relação às forças policiais locais. Um total de 82% dos indivíduos que disseram ter tido uma experiência recente de discriminação no último ano não prestaram queixa à polícia, em grande parte porque "nada ia acontecer" ou porque isso "acontece o tempo todo".

"Essa falta de denúncia indica que os números oficiais sobre o racismo constituem a ponta do iceberg", disse o relatório, acrescentando que o contraste entre as estatísticas oficiais e a alta frequência de incidentes revelada pela pesquisa "é evidência suficiente de que muito mais precisa ser feito."

Tradução: Deborah Weinber

[Der Spiegel, 12/12/2009]

Filhos da democracia do Chile não participam de eleição

Alexei Barrionuevo, em Santiago (Chile)
Pascale Bonnefoy contribuiu com a reportagem

Quando o general Augusto Pinochet realizou um referendo sobre seu mandato em 1988, uma onda de jovens eleitores foi a diferença decisiva que marcou enfaticamente a transição do país para a democracia.

Mas quando os chilenos forem para as urnas neste domingo, com o destino da coalizão que governa o país há 20 anos na balança, os jovens eleitores provavelmente não terão um papel tão importante.

Embora sua democracia tenha amadurecido e sua administração econômica estável tenha se tornado motivo de inveja na América Latina, o Chile desenvolveu um sério caso de apatia política entre os seus cidadãos mais jovens.

Apenas 9,2% dos chilenos entre 18 e 29 anos estão registrados para votar no domingo, o menor número para uma eleição presidencial desde que a democracia foi restaurada em 1990, e só um pouco mais baixo do que o número que registrado em 2005, quando os chilenos elegeram Michelle Bachelet, a primeira mulher a se tornar presidente do país.

"Espero que esses 9% se transformem em 0%", disse Gonzalo Castillo, um estudante de história de 18 anos na Universidade do Chile, que recusou-se a se registrar. "Todos os candidatos representam os interesses da oligarquia, os interesses das grandes empresas."

Os jovens do Chile estão frustrados por causa do sistema que exige que qualquer um que se registre seja obrigado a votar para o resto de sua vida, sob pena de ser multado. Eles dizem que o sistema, estabelecido sob o mandato de Pinochet, limita sua liberdade de expressão e motivou-os a não se registrarem.

Mas a geração mais jovem do Chile também é profundamente apática em relação ao processo político tradicional em geral, e ferozmente independente em relação aos assuntos que preocupam seus pais, que em sua maioria viveram na época da ditadura.

"A juventude do Chile hoje vê o discurso político como a língua de seus pais, não como a sua língua", diz Juan Eduardo Faundez, diretor do National Yourth Institute. "Eles são filhos da democracia, e têm outras opções e outras demandas em relação à sociedade chilena, e à classe política."

A juventude chilena deu uma amostra de seu poder em 2006, quando dezenas de milhares de estudantes do segundo grau protestaram em todo o país pedindo melhorias no sistema educacional.

Mas nem mesmo a energia jovem das ideias de um cineasta de 36 anos de idade, Marco Enriquez-Ominami, que está concorrendo como candidato independente, foi suficiente para fazer com que os jovens fossem às urnas este ano.

Enriquez-Ominami, que renunciou à sua vaga como congressista pelo Partido Socialista para concorrer à presidência, conseguiu sacudir a corrida eleitoral entre a coalizão Concertacion, no poder, e sua concorrente de direita.

Nas pesquisas da semana passada, Sebastian Pinera, um empresário bilionário de centro-direta, estava liderando com 44%, contra 31% de Eduardo Frei, um ex-presidente que pretende suceder Bachelet na contínua linhagem de presidentes apoiados pela Concertacion.

Enriquez-Ominami, que cresceu em parte no exílio na França, estava em terceiro lugar com cerca de 18%, de acordo com as pesquisas.

À véspera da eleição de domingo, nenhum candidato parecia ter mais de 50% dos votos, necessários para evitar um segundo turno em janeiro. Mas com 16% do eleitorado ainda indeciso - o maior número antes de uma eleição presidencial desde 1988 - os resultados são difíceis de prever, dizem os analistas.

A Concertacion, composta por socialistas, radicais e democratas-cristãos, construiu a democracia pós-ditadura e estabeleceu programas sociais e políticas econômicas estáveis e simpáticas ao mercado, tudo isso garantiu o respeito internacional ao Chile.

Nesta eleição, a Concertacion se recusou a realizar primárias para selecionar seu candidato, como fazia antes, negando aos candidatos de fora uma chance para competir.

Isso deu a Enriquez-Ominami uma oportunidade para divulgar a si mesmo como um candidato independente. Sua campanha ameaçou estilhaçar o sistema eleitoral deixado por Pinochet, que garantia que duas coalizões se enfrentariam em todas as eleições.

A capacidade de Enriquez-Ominami de representar um desafio sério sugere que alguns chilenos estão cansados da Concertacion, apesar do sucesso de Bachelet, cujos programas sociais e administração eficiente da economia garantiram-na uma taxa de aprovação de 74% nas pesquisas recentes. Frei, 67, cujo pai Eduardo Frei Montalva também foi presidente, é visto como parte da máquina política conservadora, dizem os analistas.

Independentemente de quem vencer no domingo, é pouco provável que as políticas econômicas do Chile mudem, já que nenhum candidato está propondo grandes reformas nesse campo, dizem os analistas.

Frei prometeu expandir os programas sociais que começaram com Bachelet, que melhorou as condições para as mulheres e aumentou dramaticamente o número de berçários. Pinera disse num discurso na sexta-feira que ele iria aumentar a segurança pública e atacar o tráfico de drogas, e falou sobre a necessidade de lidar com os problemas da classe média, que ele disse ter sido ignorada durante os anos de Bachelet.

Numa entrevista na sexta-feira, Enriquez-Ominami disse que ele pressionaria por reformas políticas e melhorias no sistema de educação.

A popularidade de Bachelet dificilmente foi transferida para Frei. Membros do governo de Bachelet esperavam que os jovens eleitores pudessem desempenhar um papel estratégico nestas eleições, que se mostraram uma das mais competitivas desde que as eleições livres foram retomadas em 1989.

Em 1988, 95% dos eleitores com menos de 29 anos eram registrados, representando 36% do total de eleitores naquele ano, de acordo com números do governo. Se todos os eleitores com menos de 29 anos fossem registrados no Chile hoje, eles somariam 32% do eleitorado, disse Faundez.

Mas o número de jovens eleitores registrados veio caindo desde 1988 e, no último mês de abril, chegou a uma baixa histórica de 7,5%, fazendo com que Bachelet autorizasse o National Youth Institute a gastar US$ 1 milhão numa iniciativa de emergência para registrar eleitores. O instituto conseguiu registrar 170 mil eleitores em dois meses, fazendo com que o número voltasse a 9%, disse Faundez.

Enriquez-Ominami, apesar de suas tentativas de apelar para os eleitores mais jovens, mostrando-se como uma alternativa moderna e independente, também se mostrou incapaz de fazer com que o número de eleitores subisse.

Numa entrevista na sexta-feira, Enriquez-Ominami culpou o sistema de registro voluntário e voto obrigatório do Chile por desencorajar os eleitores jovens a participarem do processo político.

"O voto deveria ser um dever, não uma obrigação", disse ele.

Bachelet tentou mudar o sistema em abril para que o registro fosse automático aos 18 anos e a votação fosse voluntária, e não obrigatória como é hoje. A medida não foi aprovada no Congresso, onde alguns temiam que isso pudesse reduzir ainda mais a participação do eleitorado.

Como os jovens chilenos não votam, isso encorajou os candidatos a ignorarem suas preocupações. "É um ciclo vicioso em que as pessoas que controlam o país, para perpetuarem-se no poder, falam apenas com a geração mais velha", disse Faundez.

Esse hiato era palpável na Universidade do Chile na sexta-feira.

"Os jovens do Chile nunca sentiram que estavam incluídos no processo político", disse Sebastien Alfaro, 19, que disse que se registrou e planeja votar para Enriquez-Ominami. "Somos vistos apenas como um número para os candidatos. Eles nunca criam projetos concretos, ou propõem políticas para os jovens."

Tradução: Eloise De Vylder

[The New York Time, 13/12/2009]

Para que serve mesmo o ENEM?

Enquanto atualizo este blog, milhares de jovens se submetem ao segundo dia de provas do novo ENEM. Uma verdadeira e, vistas as provas do primeiro dia, estúpida maratona. Ontem (05/12), foi dia das Ciências Humanas e suas Tecnologias (sic). Dei uma olhadas nas questões de história... E a primeira questão que li, sobre o Egito antigo, não tem resposta... A continuidade da leitura mostrou-me uma prova tradicional, essencialmente conteudista (desculpem, mas não resisti a tentação e, embora o abomine, usei o termo). Para onde foi aquele negócio de raciocínio, interdisciplinaridade, multidisciplinaridade, transverlalidade... e outros termos tão na moda???
Ah! A idéia inicial do ENEM era avaliar o Ensino Médio. Hoje, os cursinhos recomendavam aos seus alunos não perder tempo com a redação (exceto em casos muito específicos).

PS.: em outubro os alunos das escolas de São Paulo foram submetidos ao SARESP. Os resultados desta prova compõem um índice estadual de qualidade da educação e determina o pagamento de um bônus aos professores das escolas estaduais. Tive a oportunidade de ver as provas de história da 3ª série do ensino médio: mal elaboradas, com erros... uma prova simplesmente ridícula. Como ridículos são os discursos e as práticas educacionais em São Paulo e no restante do país.

Bhopal continua morrendo 25 anos depois de tragédia em fábrica de pesticida

Ana Gabriela Rojas
Panna Lal Yadav acordou naquela meia-noite com os gritos aterrorizantes e o tumulto de gente correndo. Sentiu que o ar "se transformava em fogo" e queimava seus ossos e pulmões. Não podia enxergar claramente, mas ouvia que seus filhos não paravam de tossir. Desesperado, gritou para sua mulher que, assim como seus vizinhos, deviam fugir. "Nas ruas vimos que as pessoas caíam fulminadas como moscas depois de ser tocadas pelos gases. Tivemos de correr entre cadáveres", lembra ainda, perturbado.

[clique na imagem para acessar uma galeria de fotos]

Panna e sua família viveram na madrugada de 3 de dezembro de 1984 um dos desastres mais graves da história. Em sua cidade, Bhopal, no centro da Índia, e muito perto de sua casa, 42 toneladas de um dos produtos químicos mais tóxicos, o isocianato de metila (MIC), escaparam em forma de gás da fábrica de pesticidas americana Union Carbide.

Nessa noite morreram quase 3.000 pessoas, e nos dias seguintes até 15 mil, segundo os números oficiais conservadores. Segundo várias ONGs e ativistas, poderiam ser até 25 mil mortos e cerca de 100 mil as pessoas com sequelas permanentes: câncer, problemas no estômago, no fígado, nos rins, nos pulmões, transtornos hormonais e mentais...

Passados 25 anos, Bhopal continua sofrendo. A situação ainda é desastrosa. Os diretores da Union Carbide, encabeçados por seu presidente, Warren Anderson, escaparam da Índia e do processo criminal aberto contra eles. A fábrica ficou abandonada e sem limpeza. No que é hoje o centro da cidade permanecem mais de 300 toneladas de produtos químicos perigosos - entre eles DDT - em contêineres que ficaram desprotegidos até apenas quatro anos atrás.

Outras 10 mil toneladas de dejetos tóxicos continuam enterradas perto da fábrica, segundo as ONGs. A Union Carbide mantinha tanques de evaporação pelos quais passavam seus dejetos químicos tóxicos, e lá ainda estão toneladas de sedimentos perigosos. E em cima deles muita gente vai fazer suas necessidades todas as manhãs, pois poucos dos barracos próximos têm banheiros.

"Mesmo que não tivesse ocorrido um vazamento de gás, o desastre era iminente. E com o passar dos anos e as chuvas esses tóxicos se infiltraram no subsolo e atingiram a água que cerca de 30 mil pessoas bebem", afirma Rachna Dhingra, que chefia a Campanha Internacional de Justiça em Bhopal, que reúne as associações de vítimas.

A água disponível em alguns locais contém altos níveis de produtos químicos nocivos, incluindo clorofórmio e tetracloreto de carbono, conhecido cancerígeno, de acordo com os resultados de vários estudos. E perto da fábrica também foram encontrados metais pesados nocivos, segundo denunciou a Greenpeace. O processo judicial é longo, e no ano passado o caso foi reaberto, com a exigência de que a empresa limpe a área e compense economicamente os milhares de pessoas que beberam água contaminada.

O governo do estado de Madhya Pradesh, do qual Bhopal é a capital, estabeleceu um sistema de encanamento de água potável, que ainda é insuficiente. No bairro de Sunder Nagar os moradores fazem fila para conseguir água limpa. Raju Raikwar, um vendedor de peixes, diz que às vezes falta água durante uma semana. "Mas pelo menos não precisamos mais beber diariamente a contaminada. Tinha um sabor amargo e ficávamos doentes do estômago. Nossos pulmões e a garganta doíam", queixa-se.

Segundo a associação de vítimas, ainda são minoria as pessoas que recebem água potável permanentemente. Muitas ainda bebem o líquido contaminado. "Sabemos que tomamos veneno e o damos na boca de nossos filhos. Mas o que podemos fazer?", lamenta uma afetada, a professora escolar Kalpana Rajarat.

A família de Panna Lal Yadav resume amargamente as consequências da catástrofe de Bhopal. Dias depois do desastre morreu sua filha menor, com apenas um ano de idade. "Sua pele começou a cair aos pedaços", conta o pai, hoje sexagenário, que foi operário da fábrica da Union Carbide. Ele mostra os papéis que demonstram que ainda lhe devem alguns pagamentos. Sua vida sempre foi dura: cansaço crônico, falta de apetite e de ânimo. Agora a única coisa que pode fazer é vender amendoins, o que lhe dá uma renda muito pequena.

Seus filhos também se sentem fracos, sofrem de psoríase e dores no peito. Até pouco tempo atrás bebiam água contaminada. Um dos filhos de Panna teve dois filhos com paralisia cerebral: Vikas e Aman, de 10 e 8 anos, têm olhos brilhantes e curiosos e um sorriso encantador, mas seus corpos não lhes respondem. Não podem se alimentar sozinhos, nem andar, nem tomar banho ou ir sozinhos ao banheiro. A mãe teme que nunca cheguem a ser independentes.

Vikas e Aman pertencem à segunda geração de vítimas de Bhopal, assim chamada pela alta incidência de crianças com defeitos congênitos: até dez vezes mais que nas comunidades com água potável, segundo um estudo da clínica Sambhavna, que atende gratuitamente 30 mil pacientes graças a doações privadas.

Os pais de Vikas e Aman eram crianças quando ocorreu o desastre, e beberam veneno quase toda a sua vida. "Meus filhos estão sempre sorrindo, mas não entendem nada, mesmo quando estou chorando por eles. É muito triste. Não sei o que vai acontecer quando não houver quem cuide deles." A avó dos meninos, Umvati Yadav, lamenta: "O que me dá mais raiva é que nem a empresa nem o governo assumem qualquer responsabilidade".

Crianças cegas, surdas, com retardo mental ou corpos de extremidades rígidas, grotescamente entrelaçadas, recebem reabilitação em Chingari Trust. Esta ONG cuida de 320 jovens. "Há muito mais crianças doentes em Bhopal por causa do vazamento da Union Carbide, mas só levamos em conta as que podemos ajudar e temos certeza de que seus pais foram vítimas do vazamento de gás", afirma o administrador, Tarun Thomas.

Muitos meninos são muito menores que outros de sua idade. Suraj, aos 12 anos, tem a altura de seu vizinho de seis. Um estudo do "Jornal da Associação Médica Americana" concluiu em 2003 que os filhos de pais expostos ao gás pesam menos. O crescimento sofre atrasos e a parte superior do corpo é desproporcionalmente menor que a inferior.

As crianças que nascem doentes hoje não são reconhecidas como vítimas pelo governo, e portanto não recebem qualquer tipo de ajuda oficial.

"Não há vítimas de segunda geração. Crianças com defeitos de nascimento existem em todo lugar. Não há em seu país?", pergunta à jornalista o ministro para a Reabilitação e o Alívio da Tragédia de Bhopal, Babulal Gaur, em seu chalé luxuoso. O político octogenário, que foi governador do Estado, afirma que não recebeu qualquer queixa das vítimas.

"Foi uma grande tragédia, mas as vítimas já estão mortas. Os afetados já foram indenizados e agora a reabilitação está funcionando bem. Já não há contaminantes na fábrica porque as chuvas de 25 anos lavaram tudo", comenta. E então para que seu ministério? "Porque prometemos às pessoas que sempre estaríamos aqui para cuidar delas", afirma.

Mas essa opinião é exatamente a oposta da que expressam as vítimas e os ativistas. "Um quarto de século depois da tragédia os moradores de Bhopal não receberam justiça e não conseguem viver dignamente. A Union Carbide se negou a assumir as responsabilidades e os governos, tanto nacional como estadual, falharam; foram corrompidos pela empresa. Temos inúmeras provas de subornos de milhares de dólares para políticos." A acusação é feita pela representante das vítimas, Rachna Dhingra, que fala de um intenso tráfico de influências. O advogado defensor da companhia nos tribunais é o porta-voz do governista Partido do Congresso, Abhishek Manu Singhvi.

A reclamação de responsabilidades dos bhopalis tornou-se mais difícil em 2001, quando a Union Carbide foi comprada pela Dow Chemical, também americana, que se nega redondamente a assumir qualquer responsabilidade. A Dow nunca foi proprietária nem operou a fábrica e a comprou mais de 16 anos depois da tragédia. A empresa tem interesses no subcontinente, onde produz e vende seu inseticida Dursban, que por causa de sua toxicidade é proibido para uso comercial nos EUA.

A indenização às vítimas de Bhopal se limita por enquanto ao acordo que a Union Carbide fez com o governo indiano em 1989: US$ 470 milhões de indenização, uma pequena parte dos US$ 3 bilhões exigidos originalmente. Cada uma das vítimas recebeu em teoria vários pagamentos no total de 50 mil rúpias (cerca de 720 euros hoje), mas muitos denunciam que nem sequer receberam essa quantia.

A família de Panna Lal sim, a recebeu para cada um dos membros doentes. Assim puderam construir a modesta casa de tijolos onde vivem. Não deu para mais nada. "O tratamento das crianças é muito caro e além disso elas exigem muita atenção", diz a avó. A família não usa os hospitais do governo porque o serviço é péssimo.

Não são só as vítimas que se queixam desses hospitais: o relatório apresentado este ano à Suprema Corte por uma comissão de investigação independente revelou que o número de médicos é reduzido, os remédios tem baixa qualidade, a informação aos pacientes é precária e a higiene choca pela ausência.

E, como em muitas outras histórias na Índia, a pobreza agrava tudo. Depois da catástrofe, o terreno ao redor da fábrica de pesticidas se desvalorizou e foi invadido por barracos de plástico, madeira e chapas. Além disso, há a contaminação. Talvez por causa dela um estudo de um hospital público situa na área da tragédia altos índices de mortalidade. "Não podemos expulsá-los dali, de seus barracos. Este é um país democrático e as pessoas podem viver onde quiserem", diz o ministro Gaur.

Com o crescimento da cidade, o lugar ficou no centro desta capital que em 2011 terá 2,1 milhões de habitantes, segundo estimativas oficiais.

Teoricamente, ninguém pode entrar na fábrica sem autorização, mas embora uma das laterais esteja cercada e vigiada por guardas, nas outras basta saltar uma pequena cerca de menos de 1 metro para entrar. As crianças vão habitualmente ali jogar críquete, e as famílias entram para cortar ervas secas para alimentar o fogo.

No centro do solar, a antiga fábrica de pesticidas é imponente. Parece o cenário de um filme de ficção científica abandonado depois de um ataque biológico. Aos poucos, os gigantes de ferro abandonados foram cobertos pela ferrugem e a vegetação.

O governo do estado pretendia abrir a fábrica ao público ao se completar o 25º aniversário da tragédia. "Tratava-se de que as pessoas vissem que não é perigoso", afirmava o ministro. Mas as manifestações das vítimas detiveram a tentativa. "O governo quer apregoar que está limpo, que não há problema, para se livrar da descontaminação do lugar e, por outro lado, das responsabilidades", diz a porta-voz das vítimas.

Enquanto isso, em Bhopal e algumas outras cidades da Índia e do resto do mundo, começou uma série de campanhas lembrando o desastre e exigindo justiça. A Anistia Internacional afirma em sua campanha que "Bhopal é uma zombaria aos direitos humanos. O legado de Bhopal sobrevive porque seus habitantes nunca puderam reivindicar seus direitos. Além disso, os efeitos negativos do vazamento afetam as novas gerações".

Apesar de todo esse movimento internacional, as vítimas têm pouca fé. Um quarto de século de espera lhes tirou a esperança. Panna Lal, afetado e avô dos meninos Vikas e Aman, é taxativo: "Talvez tivesse sido melhor morrer no dia do desastre. Pelo menos os que morreram já não estão aqui. Nós estamos sofrendo há 25 anos".

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

[El Pais, 05/12/2009]



No Afeganistão, sob o domínio dos talebans

Jacques Follorou
Logo acima das árvores, dois helicópteros de combate dão voltas como duas vespas. Seus ruídos ressoam na planície. Em solo, por um labirinto de casas e de muros de barro, talebans fogem. Eles acabam de abrir fogo sobre uma patrulha da polícia afegã. Protegidos pelas árvores, eles fogem na direção do vilarejo de Sangsar, situado a algumas dezenas de quilômetros de Candahar, a segunda maior cidade do Afeganistão.

Sangsar é o vilarejo natal do mulá Omar, líder dos talebans afegãos, refugiado na cidade paquistanesa de Quetta, do outro lado da fronteira. Foi em Sangsar, no distrito de Zhari, que a história dos talebans começou. Ainda hoje, é de lá que vem grande parte dos comandantes talebans da região. É um grande vilarejo que parece com todos os outros da região. Quase 30% dos campos do setor são cobertos de papoulas. O trigo e as vinhas, empoleiradas em profundas trincheiras, completam uma paisagem árida. Em volta, mais de 900 pequenos vilarejos de barro, habitados por uma população pobre e analfabeta.

Lá, somente as forças especiais ousam se aventurar. As tropas da Otan e o exército afegão não põem os pés ali. Os caminhos e as estradas que levam até lá estão repletos de bombas caseiras enterradas. Aqui, o talebans estão em casa. Eles cresceram, e a população os vê como resistentes frente a uma força de ocupação estrangeira e um governo corrupto.

No centro do distrito passa a estrada 1, ligando Candahar a Herat, que com a volta dos talebans se tornou a via mais perigosa do país. "Nós controlamos a estrada 1 e as bases que a balizam, mas pode-se efetivamente dizer que o interior das terras está sob controle taleban", admite o major canadense Alex Watson, no Camp Wilson, no coração do distrito de Zhari. "Nosso objetivo é ajudar o exército afegão a retomar o controle desse território e não mais simplesmente iniciar operações pontuais".

Todos os dias, entretanto, os soldados e os policiais afegãos, bem como as forças da Otan, são tomados como alvos nesse eixo. Em 16 de novembro, a dois passos do acampamento fortificado da Otan de Senzarai, talebans explodiram a estrada quando um comboio americano passava. O traçado dessa estrada está pontuado de vestígios de explosão.

Em 18 de novembro, balas passaram rentes a soldados afegãos e seis canadenses de guarda em um posto de controle na estrada 1. O tráfego não para, os carros, as carroças, as bicicletas prosseguem seu caminho como se nada tivesse acontecido. As crianças, se muito, lançam um olhar preocupado na direção dos combates. No dia seguinte, no mesmo lugar, os mesmos soldados canadenses foram alvo de foguetes . "Não podemos perseguir os insurgentes", explica o capitão canadense Jeremy Brooks, "há muitos riscos de emboscada e as bombas caseiras são a principal ameaça para nós". Um policial afegão morreria no dia seguinte na estrada apontada pelo capitão. Uma mina.

A noite pertence completamente aos talebans. Um toque de recolher informal é imposto à população de Zhari após as 21h00.As companhias de telefonia móvel do país, sob ameaça, fecham sua rede a partir das 17h00, impedindo os habitantes de informarem as autoridades sobre a movimentação noturna dos talebans. Na noite de 16 de novembro, oito policiais foram queimados vivos, trancados em um quarto por talebans que usavam uniformes da polícia. "Dois policiais do acampamento haviam informado os talebans; graças a Deus os meus são de confiança", comenta, perturbado, diante de uma xícara de chá fumegante, Sheikh Mohammad, chefe do posto vizinho de Baghi Pul.

O chefe do Estado-Maior Conjunto, almirante Michael Mullen, afirmava na quarta-feira (2), diante do Congresso americano, que os insurgentes talebans controlavam 11 das 34 províncias afegãs. Seu domínio não é só sobre a segurança pública. "Eles se dizem igualmente dispostos a assumir a gestão do país", ressalta, em Candahar, o Comitê de Relações Tribais (TLO, sigla em inglês), organização afegã reconhecida pela ONU, que tenta consolidar a estrutura tribal. Os talebans substituíram todos os postos oficiais. "É um problema", conta Mohammad Sarbidi, chefe do distrito de Zhari, "como as pessoas têm raiva do governo e da Otan, elas procuram os talebans que têm seu próprio chefe de distrito, seu próprio governador".

"O movimento taleban muitas vezes é mais eficaz que o governo", dizem na TLO. "Eles transcendem as divisões étnicas das tribos, o que confere uma maior equidade a suas decisões". No distrito de Zhari, 80% dos conflitos privados são resolvidos por um conselho de sete sábios talebans ao qual os habitantes podem se dirigir, muitas vezes por brigas ligadas a questões de terra ou de família.

Segundo o vice-governador de Candahar, o Dr. Homayun, "mais de uma centena de talebans vivem permanentemente no distrito de Zhari". Uma presença que aumenta muito na primavera e no verão, durante a estação quente propícia aos combates. Os insurgentes dormem então do lado de fora, escondidos nos sulcos dos vinhedos.

Djabal Agha, o atual líder dos talebans em Zhari, vem de Sangsar, assim como seu braço direito, Zarghai. Eles supervisionam o conjunto das atividades do distrito e sua influência se estende até Candahar. Em torno deles gravitam soldados e pequenos comandantes locais disciplinados, entre os quais Kaka Abdul Khaliq, que goza de uma boa reputação entre a população de Pashmul, um vilarejo no coração do distrito de Zhari. Em compensação, as tarifas de Kouchnai Kaka são denunciadas pelos habitantes e lhe valeram o apelido de "Açougueiro".
Soldados americanos descansam durante missão noturna na província de Kunar, em 12 de agosto

Para deter o poder crescente dos talebans, os americanos decidiram dar as cartas em todo o sul do Afeganistão, tentando conquistar o apoio das populações. Em 21 de novembro, pela primeira vez, na base de Wilson, uma assembleia (shura) reuniu cerca de quarenta chefes de vilarejo do distrito de Zhari e dois generais, um britânico e um americano. O objetivo era apresentar aos afegãos condolências pelas mortes e pelos feridos civis atribuídos às tropas da Otan. O encontro foi acima de tudo a ocasião, para os afegãos, de recitar a lista de seus descontentamentos. "Vocês nos perguntam o tempo todo o que queremos", disse Haji Abdullah, um chefe de vilarejo, "mas nós só queremos viver, ou melhor, sobreviver, deixem-nos em paz".

O capitão americano Lamb, que chegou há dois meses em Senzarai com reforços, crê na volta da relação de forças. Vindo do Iraque com sua companhia, ele mede, entretanto, as dificuldades puramente afegãs. "É pena que tenham retirado as armas das famílias, no Iraque, isso nos ajudou; lá, podia-se entrar em qualquer casa, a qualquer hora; aqui, é preciso fazer pausas o tempo todo". Mas seu otimismo não foi afetado: "Desde que fiz a segurança da estrada 1, entro nas terras com o exército afegão. Para isso, conto com meu único aliado em toda Zhari, o homem forte de Senzarai, Haji Lala".

Haji Lala está lá por falta de outro. Se seu irmão, Habibullah Jan, não tivesse sido morto, no verão de 2008, pelos talebans de Zhari, ele não teria que receber a tocha que parece lhe ser um peso. Habibullah era um antigo chefe de guerra que ficou rico graças às taxas recolhidas ilegalmente sobre o comércio ambulante na estrada 1 e à violência de sua milícia privada. Com a fortuna feita, ele podia exercer um papel tribal e político na região, e até mesmo fazer oposição à família Karzai.

Perto da escola de Senzarai, onde ainda se veem os livros escolares abandonados às pressas pelas crianças quando os talebans invadiram para fechá-la, Haji Lala descansa na casa do chefe de polícia. É o único lugar, na frente de sua casa, onde ele pode ir sem proteção. Duas semanas antes, ele escapou de uma emboscada. "Aqui, os talebans são a superpotência; todo esse tempo, desde 2001, para chegar a isso, é um grande fracasso", ele se lamenta em voz suave.

Na região de Zhari, "as pessoas protegem e alimentam os talebans, e elas não podem dizer não", conta Haji Lala. Eles recolhem o imposto sobre as transportadoras, as pequenas empresas locais ou nacionais ou até mesmo dos traficantes de drogas. Alguns antecipam o pagamento para comprar sua tranquilidade. Assim como Abdullah, que foi a Quetta conseguir a intervenção dos chefes talebans a fim de cessar os ataques sobre seus caminhões no distrito de Panjwayi, vizinho do de Zhari.

Uma vez conseguido o acordo, ele pensava que o haviam esquecido, até o dia, no início de 2009, em que os talebans vieram a seu escritório em Candahar, pedindo-lhe que pagasse sua dívida. Desde então, ele vive no Paquistão e quando ele vem a Candahar, ele se disfarça e viaja de triciclo.

A cidade de Candahar já é uma terra taleban. Nenhum ocidental passeia a pé pelas ruas da cidade. Mesmo os afegãos sabem aonde não ir. Um bairro inteiro, Aba Sabad, é proibido aos rostos estrangeiros. Ele fica à margem da prisão de Sarposa, retalhada há um ano por uma explosão que permitiu a fuga de mil talebans. Os que foram recapturados começaram, no início de novembro, uma greve de fome para denunciar o uso da tortura. "Há 37 entradas na cidade, não temos policiais o suficiente para garantir a segurança da cidade", lamenta o vice-governador da cidade, o Dr. Homayun.

O aeroporto de Candahar, situado na base da Otan, também não é poupado. "Antes, os talebans não ousavam se aventurar lá, agora eles colocam bombas quase na frente da saída da base e, em 11 de novembro, eles vieram até meu vilarejo para bater em um rapaz porque ele trabalhava ali", conta Rahmatullah, um dos chefes de vilarejo do distrito de Arghistão, vizinho da base.

Raio-X do Afeganistão
Área: 652.230 km² (sem saída para o mar)
População: 33 milhões
Urbanização: 24% da população é urbana
Taxa de fertilidade: 6,5 crianças nascidas por mulher (4º maior do mundo)
Mortalidade infantil: 151 mortes por 1000 nascimentos (3º maior do mundo)
Expectativa de vida ao nascer: 44,5 anos
Grupos étnicos: pashtun (42%), tajik (27%), hazara (9%), usbeque (9%) e outros
Religião: sunitas (80%), xiitas (19%), outros
Alfabetização: homens, 43%; mulheres, 12%
Taxa de desemprego: 40%
Fonte: CIA World Factbook 2009

Tradução: Lana Lim

[Le Monde, 04/12/2009]